Na voz
de Carlos Ramos há “tudo o que caracteriza um artista de classe: expressão,
calor e, talvez acima de tudo, aquele timbre tão pessoal, roufenho talvez, mas
incontestavelmente pleno de verdadeiro sentido fadista”. Carlos Augusto da
Silva Ramos nasceu em Alcântara a 10 de Outubro de 1907. Conviveu com a música
desde criança, uma vez que o pai, João da Silva Ramos, tocava trompa nas
caçadas do rei D. Carlos, de quem era, também, funcionário como Porteiro da
Real Câmara no Palácio das Necessidades. Carlos Ramos aprendeu a tocar guitarra
portuguesa integrado num grupo de estudantes do Liceu Pedro Nunes, que se
dedicavam à aprendizagem deste instrumento no intervalo das aulas. Neste grupo
incluía-se o Dr. Amaro de Almeida, de quem Carlos Ramos voltou a ser colega na
Escola de Medicina. Com a morte do pai, quando tinha apenas 18 anos, foi
forçado a desistir da medicina e empregou-se como escriturário nos estaleiros
da CUF e, posteriormente, como radiotelegrafista na Marconi, experiência
profissional que tinha adquirido, anteriormente, na prestação do serviço
militar. Os primeiros contactos de Carlos Ramos com o fado surgiram no bairro
de Alcântara onde residia. A sua carreira iniciou-se pelo acompanhamento à
guitarra portuguesa de diversos fadistas, passando depois a cantar, muitas
vezes acompanhando-se a si mesmo. Em entrevista ao jornal "Guitarra de
Portugal" de 30 de Junho de 1945, afirma que apesar de cantar há cerca de
15 anos, apenas se profissionalizou em 1944, por conselho de Filipe Pinto. E
assim, em 1944, fez aquela que considerou como a sua estreia profissional, no
Café Luso. No início da sua carreira, como guitarrista, Carlos Ramos acompanhou
os mais conceituados fadistas em espectáculos e digressões várias e em
restaurantes típicos, como o Retiro da Severa ou o Café Mondego, e mesmo nas
muitas solicitações que teve para participar em peças do Teatro de Revista.Na
sua primeira deslocação ao estrangeiro, em 1939, acompanhou Ercília Costa numa
digressão aos Estados Unidos, por iniciativa do embaixador português em
Washington, Dr. João Bianchi. Será na década de 1950 que Carlos Ramos efectuará
mais espectáculos no estrangeiro, conforme ele próprio revela em entrevista,
após o regresso a Lisboa de uma digressão realizada à África Portuguesa. Carlos
Ramos enumera os locais onde realizou espectáculos, caso da América do Norte,
Brasil, Espanha, Açores, Madeira, Itália, França e Egipto.O seu horário de
trabalho para a Marconi não lhe proporcionava integrar os elencos fixos das
casas típicas, no entanto a sua presença nestes espaços era muito regular.
Actuou em muitos desses restaurantes e, em 1952, tornou-se artista privativo da
Tipóia, onde se manteve até abrir o seu espaço em nome próprio – A Toca. Carlos
Ramos participou em muitos espectáculos de homenagem a colegas, como nas festas
dedicadas a Alfredo Marceneiro, em 1948 no Café Luso e, em 1963, no Teatro São
Luiz, ou na Festa de Consagração de Manuel de Almeida, realizada no Pavilhão
dos Desportos em 1962. O fadista foi também presença frequente na rádio, quer
na Emissora Nacional quer no Rádio Clube Português, e dos primeiros programas
de fado transmitidos pela televisão, o que muito contribuiu para o aumento do
seu sucesso e popularidade junto de um público mais alargado. Em 1956 já tinha
gravado 16 discos e este número foi sempre crescendo. Gravou os seus primeiros
discos ainda em formato de 78 rpm, a que se sucederam vários EPs e LPs,
inicialmente em edições da Columbia e, posteriormente, da Valentim de Carvalho.
Em
entrevista à revista Plateia, de 1 de Julho de 1964, Carlos Ramos relata a
possibilidade surgida para participar no filme "Fado Corrido" e fala
sobre os outros filmes em que participou: "Cais Sodré" (1946),
"Fado" e "Lavadeiras de Portugal" (1957), afirmando que
apesar de as suas intervenções serem sempre a cantar, gostaria de ter
experiências de participação como actor. Tal não viria a suceder e o "Fado
Corrido" será a sua última intervenção em cinema. Este filme foi realizado
em 1964 por Jorge Brum do Canto, sobre um argumento de David Mourão-Ferreira.
Uma película protagonizada por Amália Rodrigues, onde o fadista interpreta
temas editados pela Columbia, ainda nesse ano, no EP "Carlos Ramos canta
«Atrás de um Sonho» do Filme Fado Corrido". Quando em 1959 abre a sua
própria casa de fado, A Toca, conta com a presença de Maria Teresa de Noronha,
José António Sabrosa e Alfredo Marceneiro na inauguração e torna-se
proprietário daquele que será um dos restaurantes típicos mais afamados do
Bairro Alto.Apesar de ser nesse seu espaço que regularmente se passam a poder
escutar as interpretações de Carlos Ramos, o fadista continua a participar em
inúmeros espectáculos, em palcos, na rádio e na televisão e mesmo a colaborar
com as Marchas Populares, como padrinho, em 1963, ao lado de Celeste Rodrigues
na Marcha de Alcântara e, em 1966, com Maria do Espírito Santo, na Marcha do
Bairro Alto. Carlos Ramos frequentou regularmente as casas típicas de Lisboa,
durante as décadas de 1940 e 1950, fez uma breve carreira internacional,
participou em revistas e filmes e, em 1952, passou a integrar o elenco
exclusivo da Tipóia, ao lado de Adelina Ramos, de onde só sairia em 1959 para
abrir A Toca, espaço localizado na Travessa dos Fiéis de Deus no Bairro Alto.
Uma
trombose ocorrida em meados da década de 60 faria terminar abruptamente com a
sua carreira artística. O fadista morreria alguns anos mais tarde, a 9 de
Novembro de 1969.A sua voz particular conquistou o público e popularizou-o em
grandes êxitos como: "Senhora do Monte" (Gabriel de Oliveira – José
Marques, Fado Carriche), "Anda o Fado Noutras Bocas" (Artur Ribeiro),
"Não Venhas Tarde" (Aníbal Nazaré – João Nobre), "Canto o
Fado" (João Nobre). Temas que se eternizaram na memória colectiva e foram
interpretados por inúmeros fadistas ao longo de gerações, que desta forma
continuam a homenagear este nome incontornável do universo do fado.
Fonte:MUSEU
DO FADO
“Guitarra
de Portugal”, 28 de Dezembro de 1939;
“Canção
do Sul”, 16 de Setembro de 1944;
“Guitarra
de Portugal”, 30 de Junho de 1945;
“Ecos
de Portugal”, 1 de Abril de 1948;
“Ecos
de Portugal”, 15 de Dezembro de 1949;
“Voz
de Portugal”, 1 de Novembro de 1956;
“Plateia”,
1 de Julho de 1964;
Guinot,
Maria, Ruben de Carvalho e José Manuel Osório (1999) "Histórias do
Fado", Col. "Um Século de Fado", Lisboa, Ediclube;
Folheto
do CD “Sempre que Lisboa Canta”, EMI – Valentim de Carvalho, 1998.
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