O
fadista Carlos Zel teve uma carreira marcante na história mais recente do fado,
interpretando de forma muito própria temas que aliam a tradição à
contemporaneidade. António Carlos Pereira Frazão nasceu em Setembro de 1950 na
Parede. Foi na zona de Cascais e Estoril que começou a cantar, ainda com
estatuto de amador. Com 17 anos profissionalizou-se, adoptou o nome artístico
de Carlos Zel, e, no ano seguinte, 1968, apresentou-se pela primeira vez na
Emissora Nacional. Carlos Zel cantou em diversos espaços na linha de Cascais,
como o bar Galito, ou em casas de fados como a Guitarra da Madragoa, e chegou
mesmo a conciliar a actividade de fadista com a profissão de torneiro mecânico.
Também o seu irmão, Alcino Frazão, foi um guitarrista de excelência, mas
infelizmente viria a falecer muito prematuramente. Na viragem para a década de
1970, Carlos Zel integrou um conjunto de fadistas que se revelaram nesta época,
como é o caso de João Braga, António Melo Correia ou José Pracana, artistas
“muito marcados pela procura de uma tradição interpretativa que vêem
corporizada essencialmente na figura patriarcal de Marceneiro e na referência
mais próxima de Maria Teresa de Noronha (…) ”. São características do seu modo
de interpretar “uma intensidade expressiva e uma riqueza de variação melódica
incomparáveis na abordagem dos fados estróficos tradicionais” (cf. Nery,
2004:246, 264).
Iniciou
o registo discográfico do seu repertório ainda na década de 1960. Entre os seus
muitos discos, contam-se os seguintes títulos: “Rosa Camareira” (1967), “Poemas
de Eduardo Damas” (1968), “Maria dos Olhos Negros” (1969), “Minha Primeira
Cantiga” (1971), O Seu Nome Era Manuel” (disco de homenagem ao toureiro Manuel
dos Santos, editado em 1975), “Mestre Núncio” (disco de tributo ao toureiro
João Núncio, editado em 1976), “Romeiro (1977), “Lusitano Vagabundo” e “Neste
Rio Vou Morrer” (1978), “Cantigamente” (1980) e “À Volta do Fado” (1986).Em
formato CD, Carlos Zel editou o álbum “Fados”, pela BMG em 1993, lançou a
colectânea “A Minha Primeira Cantiga”, em 1996, reeditando em CD várias faixas
gravadas em vinil, incluindo as do EP do mesmo título, e participou no disco
“Harpejos e Gorgeios” de Celina Pereira, em 1998.O seu último trabalho em
disco, de título “Com Tradição” (Movieplay), foi apresentado com grande
sucesso, num concerto do grande auditório do CCB, a 23 de Outubro de 2000.
Nesta data é ainda bem notório que Carlos Zel “possui ligações maiores ao fado
tradicional, com tudo o que ele possui de boémio e castiço”, embora apresente alguns
temas provocatórios como o “Fado da Internet”; um poema de Daniel Gouveia, ou o
“Retrato dum Alfacinha Sub-urbano”, um poema de José Niza que interpreta no
Fado Corrido (cf. “Diário de Notícias”, 1 de Julho de 2000).
Carlos
Zel fez digressões e espectáculos em Espanha, França, Holanda, Escócia,
Dinamarca, Noruega, Brasil, Argentina, Chile, Venezuela, Canadá, Estados Unidos
e Senegal. Em 1997 participa no espectáculo “Raízes Rurais, Paixões Urbanas”,
de Ricardo Pais, levado a palco na Cité de la Musique de Paris, com a presença,
também, de Argentina Santos.Em 1984, numa parceria com Carlos Escobar, o
fadista abriu na Madragoa a casa de fados O Ardinita (título de um poema de
João Linhares Barbosa, interpretado por Fernando Maurício), mas esta tornou-se numa
experiência que durou apenas alguns meses.Para além das apresentações regulares
em espectáculos de concerto, em Portugal e no estrangeiro, Carlos Zel integrou,
também, o elenco de algumas peças de teatro de revista. A título de exemplo
refiram-se a “Aldeia da roupa suja”, peça apresentada em 1978, no Teatro
Variedades, “A Severa”, levada ao palco do Teatro Maria Matos, em 1990, e “Ai
quem me acode”, estreada em 1994, no Teatro ABC.São frequentes as apresentações
do fadista na televisão. Carlos Zel participou em programas como o “Piano Bar”,
de 1988, ou a série “Pisca Pisca”, de 1989”. Em 1994 o fadista interpretou
temas na telenovela “Desencontros” e surgiu, ainda, como actor, em episódios da
telenovela “Cinzas”, de 1992, e da série “Polícias”, de 1996. Reconhecido como
intérprete empenhado na divulgação do Fado, Carlos Zel foi um dos sócios
fundadores da Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado, em 1994. Por três
vezes a Casa da Imprensa atribuiu a Carlos Zel prémios distintivos da sua
actividade: em 1993 o “Prémio Prestígio”, em 1997 o “Prémio Neves de Sousa” e,
em 2000, o “Prémio Consagração”.No decorrer do ano de 2000, Carlos Zel foi um
dos impulsionadores da programação “Quartas de Fado”, no Casino Estoril, onde
actuava todas as semanas. Destaque-se que Carlos Zel foi o primeiro fadista
masculino a fazer uma temporada de actuações no espaço do Casino Estoril. Em
2010 a Movieplay editou o CD “Quartas de Fado”, numa póstuma homenagem que deu
a conhecer um conjunto de gravações ao vivo deste programa, com Carlos Zel e
convidados, entre 1 de Novembro de 2000 e 19 de Dezembro de 2001.
Possuidor
de um estilo onde a tradição interpretativa nunca deixou de marcar presença,
Carlos Zel popularizou temas como o “Meu amor morre no mar”, “Sonho louco”,
“Palavra à solta”, “Prece”, “Fado Pechincha”, “Tenho saudades da baixa”, “Amar
outra vez”, “Quero tanto aos teus olhos” ou “Travessa do poço dos Negros”. E,
apesar de ser uma referência nacional enquanto fadista, o seu percurso registou
tentativas de abrir o fado a outras sonoridades, fazendo algumas experiências
ao lado de Luís Represas, no projecto “Cantautores”, da Expo’98, com Maria João
e Mário Laginha, num espectáculo do Anfiteatro da Doca, também na Expo’98, e
com Carlos Zíngaro, Cesária Évora e Celina Pereira, em trabalhos discográficos.
Carlos
Zel faleceu a 14 de Fevereiro de 2002, em Cascais, com 51 anos.Numa homenagem
póstuma, a Câmara Municipal de Cascais atribuiu o seu nome a uma travessa na
Parede e a uma rotunda em Birre. Também o Casino Estoril passou a realizar a
“Gala de Fado Carlos Zel”, com regularidade anual, num evidente tributo ao
fadista, onde já marcaram presença grandes valores do fado como Aldina Duarte,
Alexandra, Ana Moura, Carlos do Carmo, António Zambujo, Jorge Fernando, Ricardo
Ribeiro, entre muitos outros.
Fonte:MUSEU
DO FADO
“Diário
de Notícias, 1 de Julho de 2000;
“Público”,
15 de Fevereiro de 2002;
Bastos,
Baptista (1999), “Fado Falado”, Lisboa, Ediclube;
Nery,
Rui Vieira (2004), “para uma História do Fado”, Lisboa, Corda Seca/Público
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