Hermínia
Silva, de seu nome completo Hermínia Silva Leite Guerreiro, nasceu no Hospital
de S. José, em Lisboa, na freguesia do Socorro, no dia 23 de Outubro de 1907.
Teve dois irmãos, Emília, a mais velha, e Artur, o mais novo. Quando tinha
apenas oito meses, a família mudou-se para o bairro do Castelo.Chegou a ser
aprendiza de costureira numa alfaiataria na Rua dos Fanqueiros, em Lisboa, mas
cedo começou a interessar-se por uma vida artística. Frequentadora da Sociedade
de Recreio Leais Amigos, acaba por se inscrever no grupo como amadora na arte
de representar, em 1925, tendo cantado os primeiros fados acompanhada ao
piano.Hermínia Silva estreou-se como amadora na Sociedade Recreativa Leais
Amigos, em 1925. No ano seguinte, 1926, integra a Tournée Artística Gil
Vicente, e percorre o país, passando por palcos de Vila Franca, Alenquer,
Grândola, Alcácer do Sal, Santiago do Cacém, Sines, Odemira, Albufeira, Silves,
Fuzeta, Lagos, Tavira e Vila Real de Santo António. Esta digressão passa ainda
por Espanha.
A
fadista sempre considerou o seu início de carreira a partir de 1926 quando fez
parte da "Tournée Artística Gil Vicente" organizada pelo maestro A.
Júlio Machado e pelo seu filho Victor Machado (que anos mais tarde escreveria o
livro "Ídolos do Fado").Desta "Tournée Artística Gil
Vicente" faziam parte, para além de Hermínia Silva, os actores Maria de
Vasconcelos, Berta Moreira, Agripino de Oliveira, Artur Cunha, João Amaral,
Pais Condessa e Raquel de Sousa (mais tarde também cantadeira), tendo Hermínia
Silva alcançado grande êxito como actriz e como fadista. No ano seguinte, a 9
de Abril de 1927, Hermínia Silva será mãe de um rapaz a quem dá o nome de Mário
Silva. Estabelece-se como cantadeira de fados, primeiro no cinema Malacaio,
onde faz as suas interpretações no final da exibição dos filmes, e depois no
Valente das Farturas no Parque Mayer.Hermínia Silva aspira também a ser artista
de teatro e começará por interpretar fados em três peças, na Esplanada Egípcia
do Parque Mayer, no decorrer de 1929: "Ouro Sobre Azul", "De
Trás da Orelha" e "Off Side". Nos anos seguintes actuará como
cantadeira na antiga Cervejaria Jansen, no Salão Artístico de Fados, no Solar
da Alegria e no Café Luso. Reconhecida pela sua voz castiça, Hermínia Silva
será convidada a integrar o elenco da opereta "Fonte Santa", onde
fará a sua estreia neste género, no ano de 1932, cantando alguns fados. Participa
já como actriz na peça seguinte em que participa, a revista "Feijão
Frade", em 1933, onde é segunda figura de cartaz logo a seguir à conceituada
actriz Beatriz Costa. A partir desta data sucedem-se as suas interpretações no
teatro, onde Hermínia Silva demonstra os seus dotes inconfundíveis de fadista
aliados a um notável estofo de actriz cómica, de tal forma que as suas criações
são constantemente lembradas na crítica jornalística: "Alegra-nos e
encanta-nos o vermos, quer no palco ou no tablado, esta agarotada vedeta do
Fado cujos personagens interpretados, são notáveis pelo pitoresco que contêm.
Os seus «travesti» desde o «faia de "Tendinha"» ao provinciano
«reservista» têm sido dignos dos melhores elogios para a Crítica
exigente." (Cf. "Guitarra de Portugal", 10 de Abril de 1939). Nesta
década de 1930, e mesmo na seguinte, Hermínia Silva é a grande intérprete do
Fado no Teatro de Revista. É nos palcos dos teatros que estreia aqueles que
serão os seus maiores sucessos, como a "Velha Tendinha" (na revista
"Zé dos Pacatos", em 1934), ou "Rosa Enjeitada" (na revista
"Arre Burro!", em 1936), ou "Mãos Sujas" (na revista
"Chuva de Mulheres", de 1937). Com a interpretação da personagem
Maria da Luz, a fadista apresenta-se pela primeira vez no grande ecrã com o
filme "A Aldeia da Roupa Branca", realizado por Chianca de Garcia em
1938. Hermínia Silva contracena com Beatriz Costa, Óscar de Lemos e José Amaro
e interpreta os temas: "Fado da Fadista" e "Fado do
retiro". Cinco anos depois, em 1943, voltará a desenvolver um papel para
cinema, desta vez no filme "O Costa do Castelo", realizado por Artur
Duarte. Aqui, no papel da cantadeira Rosa Maria, canta: "Fado da
Saudade" e "Fado Rosa Maria", contracenando com António Silva,
Milú e Maria Matos. Hermínia Silva participa, também, nos filmes "Um Homem
do Ribatejo", de 1946, e na sua continuação, "Ribatejo", de
1949, ambos realizados por Henrique de Campos. Na primeira película interpreta
o "Fado da Sina" e na segunda o "Fado da Cigana". A fadista
voltará a aparecer nas telas do cinema apenas mais uma vez, em 1969, no filme
realizado por Constantino Esteves, "O Diabo Era Outro". Protagonizada
por António Calvário, a película integra duas cenas filmadas no Solar da
Hermínia.
A sua
relação com o Teatro de Revista será mais constante, sucedendo-se as produções
em que participa, desde 1932, até 1958, altura em que opta por abrir a sua Casa
de Fado. Assim, a título de exemplo, vejam-se algumas das peças em que integrou
o elenco: "Sempre em Pé" (Teatro Variedades, 1938); "Iscas com
Elas" (Teatro Apolo, 1938); "O Banzé" (Teatro Maria Vitória,
1939); "Bailarico" (Teatro Variedades, 1940); "Boa vai
ela!" (Teatro Maria Vitória, 1941); "Boa Nova" (Teatro
Variedades, 1942); "Toma Lá Dá Cá" (Teatro Maria Vitória, 1943);
"Rosa Cantadeira" (Teatro Apolo, 1944); "O Tiroliro"
(Teatro Avenida, 1946); "’Tá Bem ou não ‘tá?" (Teatro Avenida, 1947);
"Ai, Bate Bate" (Teatro Variedades, 1948); "Ora Agora Viras
Tu" (Teatro Variedades, 1949); "Fogo de Vistas" (Teatro Maria
Vitória, 1950); "Lisboa Antiga" (Teatro Apolo, 1953); "De bota
abaixo" (Teatro Apolo, 1955); "Daqui fala o Zé" (Teatro ABC,
1956); "A Casa da Sorte" (Teatro ABC, 1957). Em 1950 interpretará,
também, duas peças declamadas, "História de uma Fadista" e
"Sempre em Festa". No ano de 1949, Hermínia Silva casa com Manuel
Guerreiro, mas como verificámos a sua carreira prossegue muito ligada ao
teatro, actuando em diversas peças nos palcos do Teatro Maria Vitória,
Variedades, Apolo, Politeama ou Avenida. Neste último Teatro Avenida é-lhe
prestada uma homenagem em Dezembro de 1945.
A 13
de Maio de 1958 abre o Solar da Hermínia com o marido e pouco tempo depois, em
Benavente, o Pôr-do-Sol, onde apresentava espectáculos de fado ao sábado à
noite e ao domingo à tarde. Passa então a actuar essencialmente no seu espaço
do Largo Trindade Coelho até ao seu encerramento a 23 de Outubro de1982, altura
em a fadista cede o espaço ao poeta José Luís Gordo. Para delírio dos seus
admiradores voltará ao Teatro de Revista, mas apenas de forma esporádica, com
as peças: "Ai Venham Vê-las", em 1964; "Afinal como é?", em
1975; e "Cada cor seu paladar", em 1976, todas levadas à cena no
Teatro ABC. Hermínia Silva concentra a sua carreira nas actuações em Portugal.
O seu conhecido e parodiado receio em andar de avião, inviabilizou-lhe muitos
contratos. Na década de 1930 teve três convites para deslocar-se à Ilha da
Madeira e ao Brasil, mas não aceitou. A sua maior digressão realizou-se em
1952, com destino ao Brasil, para onde viajou no navio Vera Cruz para
apresentar vários espectáculos e participar na revista "Há sinceridade
nisso?". Ao fim de sete meses não aceitou renovar o contrato por mais um
ano porque sentia falta de Lisboa.Em 1954 desloca-se aos Açores e à Madeira.
Actua várias vezes para as comunidades emigrantes em França, a última das quais
em 1981, e acta na América do Norte e no Canadá numa digressão realizada em
1971. Em Portugal fez espectáculos no Porto, nos Teatros Sá da Bandeira, Carlos
Alberto e Palácio de Cristal; bem como nos Teatros de Aveiro e Coimbra.
O
percurso de grande sucesso e popularidade de Hermínia Silva manifesta-se na sua
vasta discografia, infelizmente com poucas reedições em formato de CD. A faceta
discográfica da sua carreira começa por estar ligada ao teatro, com edições em
78 rpm de alguns dos seus êxitos nos palcos da revista. A fadista aprecia
bastante trabalhar em televisão e quando a RTP surge, em 1957, Hermínia é já
muito conceituada e a sua presença é imprescindível. Participou em vários
programas e era uma presença constante no "Natal dos Hospitais" e na
"Grande Noite do Fado". Possuidora de um improviso fácil e cheio de
graça, algumas das suas frases popularizaram-na e tornaram-se emblemáticas,
caso de : "Eh pá ‘tás à rasca", "Anda Pacheco"
(dirigindo-se ao guitarrista António Pacheco) e "Isso bem picadinho que é
p’ra voz sobressair". Atribui-se, também, a Hermínia Silva a inovação de
trautear os refrões ou entoar "trolarós" que entusiasmam o público,
durante a parte instrumental que antecede os finais das músicas, ao invés de
ficar em silêncio como a generalidade dos outros fadistas.
Em
1980 realizou um espectáculo no Teatro S. Luiz, onde lhe foi atribuída a medalha
da cidade de Lisboa, actuação que foi gravada ao vivo e editada,
posteriormente, em LP. Em 1992 Nunes Forte realizou para a RTP um documentário
sobre a fadista, recolhendo depoimentos de Hermínia Silva, familiares e amigos,
bem como imagens de arquivo, o qual foi editado em DVD, em 2005, em conjunto
com o programa "15 minutos com Hermínia Silva", realizado por Jorge
Alves, em 1961, e várias filmagens com interpretações dos seus maiores êxitos. O
seu filho Mário Silva teve uma filha, que deu à fadista dois netos, um rapaz e
uma rapariga. Após o encerramento da sua Casa de Fado, Hermínia Silva viveu os
últimos anos completamente retirada, na sua casa em Lisboa, aparecendo apenas
em algumas entrevistas que a RTP lhe fez com vista a um documentário sobre a sua
vida. Faleceu em 1993.
Prémios
e Homenagens:
1946 -
Prémio Nacional do Teatro Ligeiro, pelo desempenho como actriz na revista
"Sempre em Pé";
1980 -
Medalha de ouro da cidade de Lisboa;
1985 -
Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, atribuída a 10 de Junho pelo
Presidente da República General Ramalho Eanes;
1990 -
Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, atribuída a 10 de Junho pelo
Presidente da República Dr. Mário Soares;
1993 -
Atribuição do seu nome a uma Rua da freguesia da Ajuda, pela Câmara Municipal
de Lisboa.
Fonte:
MUSEU DO FADO
“Guitarra
de Portugal”, 30 de Novembro de 1932;
“Trovas
de Portugal”, 30 de Julho de 1933;
“Canção
do Sul”, 18 de Outubro de 1934;
“Guitarra
de Portugal”, 10 de Abril de 1939;
“Canção
do Sul”, 1 de Agosto de 1939;
“Guitarra
de Portugal”, 15 de Julho de 1945;
“Guitarra
de Portugal”, 15 de Novembro de 1946;
“Ecos
de Portugal”, 1 de Abril de 1948;
“Ecos
de Portugal”, 1 de Agosto de 1950;
“Voz
de Portugal”, 1 de Agosto de 1954;
“Voz
de Portugal”, 30 de Novembro de 1954;
“Voz
de Portugal”, 1 de Abril de 1958;
“Canção
do Sul”, 16 de Junho de 1962;
“Álbum
da Canção”, 1965;
Machado,
Vítor (1937), "Ídolos do Fado", Tipografia Machado;
Rebello,
Luis Francisco (1985), "História do Teatro de Revista em Portugal",
vol. 2, Lisboa,
Publicações
Dom Quixote;
Duarte,
Vítor (2004), "Recordar Hermínia Silva", Lisboa, Grafispaço;
"Hermínia
Silva: Actriz e Fadista" (DVD) (2005), RTP / Videofono.
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