Alfredo
Rodrigo Duarte, que ficou conhecido por Alfredo Marceneiro, dada a sua
profissão, nasceu em Lisboa, no dia 29 de Fevereiro de 1888, embora o seu
bilhete de identidade referisse o seu nascimento a 25 de Fevereiro de
1891.Filho de Gertrudes da Conceição e Rodrigo Duarte, Alfredo foi o primeiro
filho do casal, seguiram-se dois irmãos - Júlio e Álvaro - e uma irmã -
Júlia.Em 1905, quando tinha apenas 13 anos, o seu pai faleceu e Alfredo Duarte
abandonou os estudos para ir trabalhar e ajudar no sustento da família. O seu
primeiro emprego foi o de aprendiz de encadernador.
Tomou
contacto com o Fado ao assistir às cegadas de rua. Conheceu então Júlio Janota
que, para além de participar nas cegadas, tinha o ofício de marceneiro e lhe
arranjou lugar como seu aprendiz numa oficina em Campo de Ourique. Começou por
cantar Fados nos bailes populares que frequentava, entre os 14 e os 17 anos. É
nesta altura, em 1908, que faz a sua estreia na cegada do poeta Henrique
Lageosa, inspirada no argumento do filme mudo O Duque de Guise, onde interpreta
o papel da amante do Duque.Para além de participar nas cegadas, onde desenvolve
o seu método de dizer bem e dividir as orações, Alfredo Duarte começa a cantar
em diversas festas de solidariedade e nos retiros do Caliça, Bacalhau, José dos
Pacatos, Cachamorra, Baralisa e Romualdo, mas é no 14 do Largo do Rato que se
torna mais conhecido.É alcunhado de "Alfredo Lulu" por se vestir de
forma elegante e aprumada, mas será o apelido de "Marceneiro", que se
eternizará, cantado pelo próprio fadista no poema de Armando Neves, de que
reproduzimos um excerto:
"Orgulho-me
de ser em toda a parte
Português
e fadista verdadeiro,
Eu que
me chamo Alfredo, mas Duarte
Sou
para toda a gente o Marceneiro"
Esse
nome artístico - "Alfredo Marceneiro" - surge numa festa de homenagem
aos cantadores Alfredo dos Santos Correeiro e José Bacalhau, como o próprio
fadista conta: "Uma noite fui convidado por amigos que já me tinham ouvido
cantar em paródias próprias da idade a ir ao Club Montanha (hoje Ritz). Dirigia
a festa o poeta Manuel Soares e perguntou: «Quem é este rapazinho? Como se
chama? Que ofício tem?» Então, quando me apresentou ao público, esquecendo o
meu apelido, anunciou: «Vai cantar a seguir o principiante Alfredo...
Alfredo... Olhem não me ocorre o apelido. É Alfredo... Marceneiro...» E ainda
hoje sou o Alfredo Marceneiro.".
Ao
longo da sua vasta carreira, e apesar de manter a sua profissão de marceneiro,
Alfredo Duarte é contratado para exibições em casas como o Clube Olímpia, onde
esteve com Armandinho, Júlio Proença e Filipe Pinto, e depois em outras casas
típicas como a Boémia, na Travessa da Palha, o Ferro de Engomar, o Castelo dos
Mouros, o Solar da Alegria, ou o Júlio das Farturas, onde cantou durante um
ano.No ano de 1924 participa num concurso de Fados do Sul-América, um espaço
situado na Rua da Palma, e onde ganhou a "Medalha de Ouro". Nesse
mesmo ano canta durante dois meses no Chiado Terrasse para animar as noites de
cinema e é presença na "Festa do Fado" organizada pelo jornal
"Guitarra de Portugal" no Teatro São Luiz.
A
partir desta data a sua carreira prossegue com grande sucesso actuando em casas
como o Retiro da Severa, o Solar da Alegria ou o Café Mondego. Chega mesmo a
ter a sua própria casa, o Solar do Marceneiro, no final da década de 1940, mas
sendo um espírito irrequieto não consegue cingir-se a cantar diariamente nesse
espaço.Como exemplo dos momentos mais evidentes da admiração e fama que
adquiriu ao longo da sua longa carreira salientamos: a organização de uma festa
artística, em 1933 no Júlio das Farturas do Parque Mayer; em 1936, o segundo
lugar do título "Marialva", ganho num concurso do Retiro da Severa; a
10 de Maio de 1941 um outro espectáculo denominado "Festa Artística de
Alfredo Marceneiro", desta feita no Solar da Alegria; ou, ainda, a
consagração como "Rei do Fado", no Café Luso, a 3 de Janeiro de
1948.Apesar do sucesso da sua carreira nunca saiu de Portugal para actuações e
raramente deixou Lisboa, embora na década de 1930 tivesse integrado alguns espectáculos
de grupos criados para efectuar tournées por Portugal, caso da "Troupe
Guitarra de Portugal", com Ercília Costa, Rosa Costa, Alberto Costa, João
Fernandes (guitarra) e Santos Moreira (viola); ou da "Troup Artística de
Fados Armandinho", com Armandinho, Georgino Gonçalves, Cecília d’ Almeida,
Filipe Pinto e José Porfírio.Alfredo Marceneiro cantou também no Teatro,
subindo ao palco do Coliseu dos Recreios, em 1930, com a Opereta "História
do Fado", onde actuavam Beatriz Costa e Vasco Santana. As suas
interpretações em palcos de teatros incluíram também o São Luiz, o Avenida, o
Apolo, o Éden - Teatro, o Capitólio, o Politeama, o Maria Vitória, e outros.Em
1939, com a conhecida cantadeira Berta Cardoso, grava actuações no Teatro
Variedades e no Retiro do Colete Encarnado, que serão apresentadas no
filme" Feitiço do Império", de António Lopes Ribeiro. O "Feitiço
do Império" estreia nas salas de cinema em 1940, e tem apresentações até
1952. O filme foi protagonizado por Luís de Campos e Isabela Tovar, Francisco
Ribeiro (Ribeirinho), António Silva e Madalena Sotto. Lamentavelmente, a
película existente na Cinemateca Portuguesa apresenta-se bastante deteriorada. As
gravações discográficas da sua obra não são muitas, uma vez que não apreciava
cantar senão nos locais que considerava próprios e com a presença do público.
Assim, apesar de ter gravado o seu primeiro disco, para a Casa Cardoso, em
1930, com os temas "Remorso" e "Natal do Criminoso", passou
logo depois a ser artista privativo da Valentim de Carvalho. Seguiram-se apenas
quatro LP’s e três EP’s, o último, "Fabuloso Marceneiro", gravado aos
70 anos.O fadista também fez poucas aparições em programas de televisão. Em
1969, uma equipa técnica constituída por Henrique Mendes e Carlos do Carmo, como
produtores, Luís Andrade, como realizador e José Maria Tudella, como operador
de imagem, tem de se deslocar ao Bairro Alto para acompanhar Alfredo Marceneiro
nas suas interpretações e poder assim realizar uma reportagem documental para a
RTP. Dez anos mais tarde, em 1979, será pela intervenção do seu neto Vítor
Duarte, que acederá a realizar um programa para a RTP, o qual foi exibido a 14
de Janeiro de 1980 e editado em DVD, pela Ovação, em 2007. Apesar da sua fama e
sucesso crescente mantém a profissão de marceneiro, até à década de 1930 nas
oficinas de Diamantino Tojal e, posteriormente, nas Construções Navais do
Arsenal do Alfeite, que depois passaram a ser administradas pela C.U.F. Só em
1946 se dedica exclusivamente ao Fado como profissional, conservando no entanto
em casa o banco de marceneiro e as ferramentas com que se entretinha a fazer
pequenos trabalhos, um dos quais "A Casa da Mariquinhas", obra que
merece especial relevo pelo cariz emblemático que assume para a própria
História do Fado de Lisboa. Trata-se de uma construção em madeira, na escala de
1 por 10, em que, inspirado na letra de Silva Tavares, construíu/reconstruíu a
casa evocada na descrição do poeta. Esta peça está actualmente na exposição
permanente do Museu do Fado. Alfredo Marceneiro considerava-se um estilista e
nesta criação de estilos acabou por ser autor de composições que são hoje
consideradas Fados tradicionais. A sua primeira composição foi a "Marcha
do Alfredo Marceneiro", mas seguiram-se muitas outras como: "Fado
Laranjeira", "Lembro-me de ti", "Fado Bailado",
"Fado Bailarico", "Fado Balada", "Fado Cabaré",
"Fado Cravo", "Fado CUF", "Fado Louco",
"Mocita dos Caracóis", "Fado Pagem", "Fado
Pierrot", "Bêbado Pintor" e "Fado Aida". Com a ajuda
de Armando Augusto Freire (Armandinho), que lhe passa para pauta as suas
criações, o fadista regista as suas músicas na Sociedade de Escritores e
Autores Teatrais Portugueses.
O
fadista foi pai de cinco filhos. Os primeiros dois: Rodrigo Duarte e Esmeraldo
Duarte, resultaram de duas relações efémeras e os outros três: Carlos, Alfredo
e Aida são fruto da sua união com Judite de Sousa Figueiredo com quem viveu até
à data da sua morte, a 26 de Junho de 1982."Ti’ Alfredo" para os
fadistas e amigos continua a ser considerado um dos fadistas maiores, seguido
como um modelo na forma de dividir os versos cantados, não permitindo que as
pausas musicais interrompam o sentido das orações. A sua figura característica,
sempre de boina e lenço de seda ao pescoço, será recordada juntamente com o seu
modo particular de interpretar, com o balancear de ombros e tronco e as mãos
nos bolsos.
Alfredo
Marceneiro reforma-se em 1963, realizando-se a 25 de Maio desse ano, no Teatro
S. Luiz, a festa "A Madrugada do Fado - Consagração e despedida do Grande
Artista Alfredo Duarte Marceneiro". Na verdade esta não foi uma despedida,
Alfredo Marceneiro continuou a cantar durante quase mais duas décadas.Em 23 de
Junho de 1980, numa cerimónia realizada no Teatro São Luiz, é-lhe entregue a
"Medalha de Ouro de Mérito da Cidade de Lisboa", pelo Presidente da
Câmara Municipal de Lisboa, Eng.º Krus Abecassis. Postumamente foi-lhe
atribuída a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, a 10 de Junho de 1984 pelo
Presidente da República General Ramalho Eanes. A Câmara Municipal de Lisboa dá
o seu nome a uma rua do Bairro de Chelas e, em 1991, foi comemorado o
centenário do nascimento do fadista e entre outros eventos foi lançado o duplo
álbum "O melhor de Alfredo Marceneiro" (EMI-Valentim de Carvalho) e
foi exibido na RTP o documentário "Alfredo Marceneiro é só Fado".
Fonte:
MUSEU DO FADO
“Guitarra
de Portugal”, 10 de Novembro 1926;
“Trovas
de Portugal”, 4 de Fevereiro 1934;
“Guitarra
de Portugal”, 20 de Julho 1935;
“Canção
do Sul”, 16 de Setembro 1935;
“Canção
do Sul”, 16 de Novembro 1943;
“Guitarra
de Portugal”, 15 de Julho 1946;
“Ecos
de Portugal”, 1 de Janeiro 1948;
“Voz
de Portugal”, 1 Outubro 1957;
“Flama”,
12 de Outubro de 1962;
“Álbum
da Canção”, 1 de Agosto 1963;
“Diário
de Lisboa”, 20 de Março 1968;
“Rádio
e Televisão”, Novembro 1969;
“Flama”,
26 de Abril de 1974;
“Diário
de Notícias”, 27 de Junho de 1981;
“Correio
da Manhã”, 28 de Junho de 1982;
“Mais”,
2 de Julho de 1982;
Machado,
Vítor (1937), “Ídolos do Fado”, Tipografia Machado;
Duarte,
Vítor (1995), “Recordar Alfredo Marceneiro”, Venda Nova, Sistema J;
Duarte,
Vítor (2001), “Alfredo Marceneiro...Os Fados que ele cantou”, Lisboa, Clássica
Editora.
DVD “3
Gerações de Fado”, Ovação, 2007.
http://alfredomarceneiro.blogs.sapo.pt
Informações
fornecidas pelo neto do fadista Vítor Duarte
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