Beatriz
da Conceição Mendes Lage nasceu no Porto a 21 de Agosto de 1939, cidade onde
viveu até ao dia que um passeio a Lisboa a fez abraçar a carreira de fadista. À
volta do ano de 1960, Beatriz da Conceição visitou a capital com um grupo de
amigos e foi à casa de fados Márcia Condessa onde acabou por ser convidada a
cantar. Após a sua interpretação a própria Márcia Condessa contratou-a para
integrar o elenco. Beatriz da Conceição estabeleceu-se em Lisboa como fadista
e, passado um ano, tirou a carteira profissional. Ao longo da sua carreira
passou por muitas das casas de fado mais importantes de LIsboa, como A Viela, a
Adega Machado, a Nonó, Os Ferreiras, a Taverna do Embuçado e, actualmente, o
Senhor Vinho.Em 1965 gravou o seu primeiro disco para a etiqueta RCA. Um EP de
título “Fui por Alfama”, onde Beatriz da Conceição interpretou, para além do
tema título, um poema de Guilherme Pereira da Rosa com música de Francisco
Carvalhinho, “Eu sou do fado”, letra de Lopes Victor para música de Francisco
Carvalhinho, “Fado do adeus”, poema de Nelson de Barros e música de Frederico
Valério, e “Agora choro à vontade”, com música de Eugénio Pepe e letra de
Guilherme Pereira da Rosa.Curioso é o texto da contracapa deste disco, onde a
editora apresenta a seguinte descrição: “Jovem, turbulenta e irreverente,
Beatriz da Conceição é como que uma rajada de ar fresco no meio fadista
nacional. Pertencendo à chamada Nova Vaga do Fado ela interpreta com igual
valor tanto o género alegre como o triste e dramático. Duma flexibilidade sem
limites é, contudo, nas interpretações dramáticas que melhor podemos apreciar a
«garra» e o «sentimento» que ela empresta a cada fado que canta.”
Se nos
dias que correm, Beatriz da Conceição passou a fazer parte dos grandes valores
consagrados do universo fadista, o seu perfil continua a registar as mesmas
características de irreverência, de exaltação de garra e sentimento nos fados
que interpreta, que marcaram todo o seu percurso como fadista. “Beatriz canta
sempre de cabeça levantada numa atitude afirmativa, forte e quase sanguinária”
(…) “Perder um espectáculo de Beatriz da Conceição é desmarcar um encontro com
as grandes emoções humanas.” (cf. “Um Porto de Fado”: 55). Beatriz da Conceição
começou a trabalhar em teatro em 1966, destacando-se nos palcos com a interpretação
de temas como: “Fado para esta noite” (Francisco Ferrer Trindade – Rogério
Manuel Tavares Bracinha – César Augusto Gonçalves de Oliveira), ou “John
Português” (João de Vasconcelos – César Augusto Gonçalves de Oliveira), onde a
fadista fazia o papel de um marinheiro, neto de emigrante, para uma revista do
Teatro ABC, no Parque Mayer. Como todos os grandes fadistas, obstinou-se em ter
um repertório próprio, chegando mesmo, no início da sua carreira a comprar
letras de Fado de que gostava. Ao ouvir Beatriz da Conceição podemos contar com
letras de grandes poetas, casos de: Domingos Gonçalves Costa, João Dias, João
Linhares Barbosa, César d' Oliveira, Ary dos Santos ou Vasco de Lima Couto. José
Carlos Ary dos Santos e Fernando Tordo criaram o fado “Meu Corpo”, que muitos
conhecem como o "Fado da Bia", diminutivo familiar da artista. Este
fado foi criado de um dia para o outro em virtude de Beatriz da Conceição ir
substituir Tonicha na revista “Uma no Cravo, Outra na Ditadura”, e ser necessário
ter um original para interpretar.
A
grande referência fadista para Beatriz da Conceição é Lucília do Carmo: “ a
musa da minha inspiração, e por quem eu morria de ouvir cantar” (cf. Baptista
Bastos: 85). Ainda assim, também considera no grupo de eleição as fadistas
Argentina Santos e Fernanda Maria. Para o fado no masculino enumera, como seus
preferidos, Alfredo Marceneiro, Carlos Ramos, Tony de Matos, Max, Manuel de
Almeida e Tristão da Silva. Na década de 1990 Beatriz da Conceição participou
nos programas de televisão, criados por Filipe la Féria: a "Grande
Noite" (1990) e o "Cabaret" (1994).Em 1996, Beatriz da Conceição
e António Rocha foram convidados a integrar uma experiência única, o projecto
“Tears of Lisbon”, dirigido pelo maestro Paul van Nevel e o Huelgas Ensemble,
com uma recolha de temas de Fado e de música portuguesa do séc. XVI. Neste
âmbito são realizados diversos espectáculos por todo o Benelux e, patrocinado
pelo “Festival Van Vlaanderen International”, é gravado um CD ao vivo, no
Refectory of the Bijloke Abbey, em Ghent na Bélgica. Neste disco Beatriz da
Conceição interpreta os temas: “Voltaste” (Joaquim Pimentel), “Eu preciso de te
ver” (Vasco de Lima Couto – Fontes Rocha), “Noite” (Vasco de Lima Couto – Max),
“Vesti a minha saudade” (Francisco Viana – António Campos) e “Meu corpo” (Ary
dos Santos – Fernando Tordo). Sobre Beatriz da Conceição diz Paul van Nevel que
a fadista se exprime com uma força contida, que a sua interpretação é de uma
tal tristeza emotiva, que consegue imprimir poesia mesmo aos silêncios entre as
palavras e versos (cf. “Les Larmes de Lisbonne”).Das edições discográficas mais
recentes destacamos: “Sou um Fado desta idade” (1996), da Emi-Valentim de
Carvalho, “Beatriz da Conceição” (1997), edição “O Melhor dos Melhores”, da Movieplay,
e, ainda, “O Melhor de Beatriz da Conceição”, editado pela Iplay em 2008. A
fadista, como grande referência do Fado integra inúmeras colectâneas, a título
de exemplo referimos: “Fado Capital”, editada pela Ovação em 1994, “Parque
Mayer”, editada pela Valentim de Carvalho em 2003 e “Mulheres Fadistas”, CNM,
1998.
Muitos
são os espectáculos que fez no estrangeiro, seja para cantar em comunidades
portuguesas, nos Estados Unidos da América e Canadá, ou em festivais
internacionais de música, para um público mais cosmopolita. A 1 de Novembro de
2007, no âmbito do “Festival Atlantic Waves”, Beatriz da Conceição esteve no
Queen Elizabeth Hall, em Londres, partilhando o palco com as fadistas Maria da
Fé, Mafalda Arnauth, Aldina Duarte, Joana Amendoeira e Raquel Tavares, num
espectáculo intitulado “The Grand Divas of Fado”.Beatriz da Conceição continua
a ser uma forte referência para os jovens fadistas. Aldina Duarte revelou em
diversas ocasiões que foi após ouvir Beatriz da Conceição cantar que desejou
ser fadista. Mafalda Arnauth homenageou a fadista interpretando o tema de Max
“Pomba branca, pomba branca”, no seu disco “Flor de Fado”. E Ana Moura convidou
Beatriz da Conceição para o palco do Coliseu dos Recreios, a 26 de Junho de
2008, para interpretar o seu “clássico” “Meu Corpo”, um concerto que foi
posteriormente editado em DVD.
Nos
últimos anos, para além dos espaços das casas de fado, Beatriz fez diversos
espectáculos de que salientamos os seguintes: Casa da Música no Porto (2007),
“Festa do Fado”, Castelo de São Jorge, em Lisboa (2007), “Vozes do Fado”,
Auditório Municipal Ruy de Carvalho, em Carnaxide (2008), “Gala do Fado Carlos
Zel”, no Casino Estoril (2008).Em Maio de 2008 Beatriz da Conceição foi
distinguida com o “Prémio Carreira” da Fundação Amália Rodrigues, e nesse mesmo
mês foi homenageada na sua cidade natal, com o espectáculo “Alma Lusitana”, que
teve lugar no Teatro Sá da Bandeira.
Beatriz
faleceu a 26 de Novembro de 2015.
Fonte:MUSEU
DO FADO
Programa
do espectáculo “Um Porto de Fado” (2001), Lisboa, HM Música;
Programa
do espectáculo “Les Larmes de Lisbonne” (1996), Abbaye-aus-Dames, 8 de Julho.
Baptista-Bastos
(1999), “Fado Falado”, Col. “Um Século de Fado”, Lisboa, Ediclube.
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