julho 24, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)

O pai morreu-lhe nos braços há onze anos atrás, tinha ela vinte e cinco, com um enfarte cardiovascular.
Adorava-o pelo carinho que tinha por ela, era incapaz de lhe levantar a voz, e perdoo-lhe tantas asneiras que fez na sua adolescência, sem nunca lhe perguntar nada… Só lhe dizia: “Conforme fizeres a cama, nela te deitas”.
Todos os sábados de manhã, lhe leva flores ao Prado do Repouso. Ás vezes fala com ele e pede-lhe ajuda para as vicissitudes da vida.
Nasceu e viveu nas Condominhas, hoje mora numa casa dos bairros camarários prós lados do Amial, renda acessível o que dá (nos meses em que não tem que gastar na farmácia com a mãe,) para ir ao cabeleireiro e jantar fora de vez em quando.
Á muito perdeu a esperança de casar. Não é nada de deitar fora, sente-se até uma mulher bonita e atraente, mas isso apenas lhe traz um “Maciel Castro” de vez em quando. Tem trinta e seis anos mas... quem quer um compromisso sério, com uma mulher que tem uma mãe idosa e doente a seu cargo? É assim que pensa, talvez por isso nunca se tenha prendido a ninguém.
É a sua sina, o seu fado e a Lígia à muito se conformou com essa sorte.

————— * —————

Maciel Castro é encarregado de uma oficina de restauros, ninguém como ele conhece a arte de restaurar na perfeição um móvel Luís XV ou uma cadeira italiana estilo renascença. É hábil com o mordente e ouro fino. Ainda pinta com uma paciência de santo, imagens antigas ou decora com precisão, contadores da Índia com delicados entalhes de marfim.
Ganha bem, mas vive só e amargurado por recordações que teimam em não desaparecer da sua mente. Uma separação dolorosa que o prostrou durante tempos com um esgotamento, felizmente não havia filhos. Nunca pensou que ela fosse capaz de uma traição daquelas, amava-a loucamente e as saudades ainda hoje lhe moem a alma. E logo com o seu ” melhor” amigo...
Desde então, tornou-se um desconfiado das amizades, muitas vezes é mesmo agreste com quem lhe oferece um ombro. Tem o peito a abarrotar de tantas coisa que gostava de deitar fora, mas vai guardando e o pior, é que só guarda o que lhe faz mal.
É nas letras que escreve que subtilmente vai desabafando as suas mágoas. Em quadras, sextilhas ou decassílabos, vai desfiando o seu rosário de amargura para o papel, que depois dá para que outros cantem.
Quantas vezes ao ouvir os seus poemas, cantados por vozes que não são mais que veículos das suas mensagens, chora por dentro e vai alimentando a hipotética esperança, de ela ouvir um dia os seus poemas e com isso, faze-la sofrer também, pelo menos de arrependimento.
É raro, mas quando a encontra na rua, pensa como a tal canção tem razão ao dizer:

Porque é que a mulher que a gente deixa
Fica sempre mais bonita
E valendo uma paixão
Porque é que a gente morre de despeito
Quando vê que não tem jeito
Sequer de aproximação

Vive com esta dor na alma, remoendo no desgosto e cavando mais rugas que lança nas letras que escreve. Com a idade que vai avançando inexoravelmente, já à muito perdeu a esperança de voltar a viver uma vida em comum com alguém.
Cada um tem o seu fado, este é o seu…

Pág.3 (continua)

Nenhum comentário: