julho 28, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)


O Márcio e o Marques

— Obrigado pelos vossos aplausos! Foi o final desta primeira parte de fado, com a bonita voz e a presença sempre agradável de Fernanda Moreira! Esta noite, ainda vamos ter as presenças de: Lourenço Carvalho; Laura Santos; Manuel Bessa; Elisa Maria; Manuel Martins; Lina da Conceição; António Tavares e Olga Duarte. Vamos fazer agora o habitual intervalo, para que possam jantar à vontade. Até já meus senhores, bom apetite!
Era o Albérico Pereira, na apresentação de mais uma noite de fado no “Xaile d’Ouro”.
A casa nestes sábados à noite, estava sempre cheia por amantes do fado. Na mesa do canto e como já era hábito, jantavam dois amigos de muitos anos de fadistice, o Márcio e o Marques.
— Então a tal voz magnífica que vinha cá cantar, vem ou não vem?
— Calma! – Disse o Márcio – Deve estar a chegar com o marido, o Moutinho é o tal rapaz que trabalha comigo. Ele é que me disse que a Lucinda canta muito bem, vamos lá ver e ouvir...

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O Márcio e o Marques sempre foram grandes conhecedores do fado, tanto um como outro, eram muitas vezes convidados para fazerem parte do júri em muitos concursos de fado. Sabiam distinguir, um bom fadista, pela voz, pela dicção, pelo compasso e pela sua raça, condição essencial de um bom estilador, que sabe fazer os requebros ou pianinhos como o fado exige. Davam grande importância ao saber silabar, não quebrando palavras e sobre tudo, ao saber dizer. O português bem prenunciado é fundamental para que se compreenda o poema e assim a mensagem nele implícito, chegue a quem o ouve com agrado.
O fado tem por intenção contar uma história, de alguém, dum lugar, dum sentimento, da vida, do quotidiano. Vai daquele que o canta e do modo como o faz, ao pôr mais ou menos ênfase, nas palavras que diz.
Muitas vezes a mesma letra é cantada por vozes diferentes, quando isso acontece, pode-se escolher aquele que mais gostamos de ouvir, por isso é que quando aparece um modo de estilar diferente, o fado é renovado e daí a sua riqueza, por estar constantemente em renovo, como diz o grande letrista Mário Raínho.
Também o Alfredo Marceneiro, disse numa das raras entrevistas dadas a Henrique Mendes, em finais dos anos sessenta: (“O poema é que me inspira o modo de cantar, por isso canto na mesma música de fado, poemas diferentes e de modo diferente”).
Para os menos atentos nestas coisas, peço que reparem em dois fados que de certeza, conhecem de ouvido: “Povo que lavas no rio” e “Igreja de Santa Estêvão”. O primeiro, foi imortalizado por Amália com uma letra de Pedro Homem de Melo, o segundo, foi uma criação de Fernando Maurício e tem como autor Gabriel de Oliveira. Mas…Ambos são cantados na mesma música o “Fado Vitória” de autoria de Joaquim Campos, no entanto, parecem diferentes… Porquê? É o estilo de cantar que cada um tem e (como dizia o Marceneiro), o poema manda que se cante de modo diferente. Como este exemplo existem milhares.
Podem ver nas últimas páginas deste livro, a grande variedade de músicas de fados tradicionais que existem (mais de 400), onde se podem “encaixar” letras de poemas diferentes, embora os considerados fados tradicionais, derivem de três músicas de fado principais e de autoria popular:
O Menor, o Corrido e o Mouraria.
Ainda existem letras que são musicadas pelos poucos (talentosos) músicos que temos. Claro que nem todos têm a inspiração dum Nel Garcia, Jorge Fernando, Eduardo Jorge, Fontes Rocha, Francisco Seabra ou Alexandre Santos.
As novas gerações de fado, tentam renová-lo vestindo-lhe outra roupagem menos tradicional, com o acompanhamento acrescido, como é o caso do acordeão, violino e até contrabaixo, mas quase sempre esbarram com uma critica feroz dos chamados puristas, que não vêem com bons olhos essas “modernices”.
Numa entrevista dada pela inteligente fadista Aldina Duarte, a dado momento, ela diz:
(“Pessoalmente, ainda estou na fase da exploração das raízes do fado e estou a gostar muito. Não sinto necessidade nenhuma de trazer nada de fora para dentro. Estou ainda muito encantada com aquilo que está cá dentro desta arte. Além disso, ainda preciso de aprender muito, depois logo se vê para onde isto me leva. Prefiro explorar cada vez mais o interior desta arte de tradição”).
Isto são palavras sábias, para quem quer e gosta de cantar o fado, mas a Aldina Duarte, sabe o que quer. Reparem nas letras que escreve e canta, onde se nota uma grande consciência politica e sabe que não se pode ir depressa. (“No nosso país a liberdade ainda é muito nova”), palavras suas.
Mas existem muitos que querem “renovar” essa tradição. Estiveram nesta linha de pseudo-renovadores, nomes como Paulo Bragança que chegou a cantar descalço e de capa preta atada ao pescoço, para “ Limpar o pó ao fado” como disse numa entrevista à RTP e que mereceu severas criticas.
Claro que nem toda a nova geração optou por caminhos degenerativos, como é o caso de António Laranjeira, Ana Moura, Filomeno Silva, Mariana Correia, Jorge César, Filomena Sousa, Gonçalo Salgueiro. Ou ainda mais castiços, como Ricardo Ribeiro, Ana Sofia Varela, Joaquim Brandão, Aldina Duarte, Hélder Moutinho, Ana Maurício, Manuel Barbosa, Cátia Garcia, Camané ou António Zambujo. Embora existam nesta nova geração de fadistas, algumas excelentes vozes, que além da guitarra e viola, cantam acompanhadas por contrabaixo, mas que têm sabido cativar para o fado a juventude, que cada vez mais adere a este fenómeno quase moda. Fadistas como Katia Guerreiro, Pedro Moutinho, Mafalda Arnauth, Cristina Branco, Mísia, Maria Ana Bobone e até Mariza, que mesmo com o seu penteado futurista, mas como uma voz que fascina e cativa quem a ouve, que o digam os circuitos internacionais por onde passou, que lhe atribuíram galardões e prémios nunca alcançados no domínio do fado, pois agora a canção nacional faz parte da chamada Word Music, como sucedeu no Festival Med.

pág.7 (continua)

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