julho 30, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)

— Foi um símbolo da simplicidade, fiel ás suas raízes. Nasceu na Mouraria em Lisboa, no dia 21 de Novembro de 1933, embora a sua mãe fosse natural do Bonfim no Porto.
— Só tenho a respeitar as opções! Também só cantava o que queria, ninguém lhe impingia nada.
— Claro! É impensável para mim, alguém cantar o que não entende ou dizendo em verso o que não sente. Como pode uma mensagem passar, se o seu arauto não acredita nela? Por isso é que quem sente o que canta, são aqueles que nos arrepiam os pelos dos braços, quando os ouvimos.
— E é por isso mesmo que penso, que um quinto de bons fadistas que falaste há pouco (em relação ao total de 449 é muito. Infelizmente bons mesmo? Há menos, muito menos…
­— Depois há os que andam no fado só pelo protagonismo, com petulância e ares de importantes só porque nasceram com o dom para cantar (ou não), mas que têm por trás máquinas publicitárias bem oleadas, ou ainda, amigos na comunicação social. Mas que nos dizem pouco quando cantam, muito pouco.
— Ainda existem os que cantam bem, só que são brigões por natureza, ainda vivem num fado que já não existe, decadente e promíscuo que passou de moda. Aquele com faca na liga, brigão, manguela, bêbedo e malcriado. Hoje o fado ganhou outra dimensão, adaptou-se à realidade deste século e hoje não faz sentido a “Desgraçadinha” de outros tempos. Tomando como exemplo o fado “Amor de Pai”, que muitos ainda cantam, não posso concordar com a sextilha que diz:

Toda a mulher todo o homem
Do amor de pai não se farte
Amor como esse não há
Pois o pão que os filhos comem
É a mãe quem o reparte
Mas é o pai quem o dá

— Hoje e cada vez mais, isto não é verdade, quantas mães solteiras e mesmo casadas, trabalham para sustentar os filhos? O que esta sextilha diz, foi noutro tempo em que a mulher ficava em casa, hoje tudo se modificou e a liberdade da mulher foi uma conquista do século XX.
— Sem nunca renegar as suas origens e tradições, o fado pode ser o veículo da denúncia social, mas com letras mais construtivas. Claro que também tem obrigação de enaltecer o bem, o belo, o amor e a saudade, os valores e sentimentos verdadeiros, trazendo ao povo autoestima, optimismo e porque não, um pouco de alegria. As novas gerações que ouvem o fado já não são iletrados, possuem hoje uma nova visão do mundo, mais progressista e adaptada a esta aldeia global em que o mundo se tornou. Mal ou bem esta é a época em que vivemos e podemos muito bem contar uma história no fado, com palavras que todos entendam, rica de sentido e humanismo, sem cair no fatalismo ou na desgraça.
— Completamente de acordo, nós é que nos temos de adaptar aos novos tempos, preservando as nossas tradições sem nunca as pôr de lado nem as renegar.


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O Marques e o Márcio, tinham acabado de jantar quando se registou mais um momento alto de noite, a Lucinda cantou no fado “Pedro Rodrigues”, uma letra de António Terra, com o título: “Lamento da Terra”.
— Bravo! Bravo! – Exclamavam alguns.
— Que linda voz a rapariga tem! – Comentavam outros. A sala estava ao rubro e de repente o silêncio. As guitarras trinavam agora o “Menor do Porto” e a voz da Lucinda entoou pela sala, com uma letra que tem o titulo “Recado a minha mãe”:
Ó Minha mãe minha santa
Se pudesses cá voltar
Tinha tanta coisa, tanta
Minha mãe p’ra te contar.

Dos filhos tenho meiguices
P’ra compensar teus afectos
Ò minha mãe se tu visses
Que lindos são os teus netos

E se vires meu pai também
Num, canto desse jardim
Diz-lhe que vai tudo bem
E dá-lhe um beijo por mim

Os aplausos á mistura com algumas lágrimas, soaram por toda a sala. O Marques fez questão de dar um abraço ao amigo Márcio, dizendo:
— Onde foste descobrir esta voz? Ela é formidável, vai ser muito difícil a escolha este ano no Coliseu, temos uma grande tarefa pela frente... Pelo que já me disseram, vai lá estar uma tal Lígia Coutinho e não só, para disputar o primeiro lugar.
O apresentador e coordenador de fado, Albérico Pereira estava siderado, tinha conhecido muitas vozes, mas esta era de facto uma excelente voz de fado.

Pág.8A (continua)

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