julho 25, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)

A Lizete e o Martinho

— Faz tempo que não me sentia tão bem a conversar com alguém. – Dizia o Martinho Conde – Tens o dão de saber ouvir e é curioso que nestes breves encontros de café que temos tido, falo contigo sobre temas que nunca falei com a minha mulher. Ela é uma pessoa conservadora, limitada pela educação que teve, chega muitas vezes a ser retrógrada nas ideias que tem por exemplo: em relação ao sexo e a conceitos ultrapassados pelo modo de viver uma vida a dois. Não é capaz de ver um filme pornográfico, diz sempre: “ Que porcaria!” Não é capaz de usar na cama uma peça mais sexy, e diz: “Isso não é para mim!”
— Mas onde está o problema?
— Que queres? É assim! Tu és mais aberta, tens outros horizontes de vida, claro que há coisas em ti que eu não concordo, mas também é muito difícil encontrar um equilíbrio perfeito ou a chamada pessoa ideal.
— Numa coisa estamos de acordo – respondeu Lizete Cruz – A rotina destrói completamente qualquer relação a dois, a vida tem que ter algo de picante e ser vivida dia-a-dia como resume numa palavra, o professor no filme Clube dos poetas mortos: “Carpe-dien” (aproveita o dia). É o que tento fazer a todo o custo, mesmo contra a imposição que socialmente sou obrigada a viver no trabalho e no quotidiano que me é imposto pela civilização. Sei por exemplo: Que não aceitas bem a minha forma extravagante de vestir. Pensas que não reparo como por vezes ficas chocado, da forma directa como digo foder em vez de relações sexuais, fazer amor ou curtir, como a juventude diz agora. Mas uma coisa te garanto, se esta nossa amizade vier um dia a ser desfrutada na cama, nunca te deixarei desiludido, porque sou uma acérrima militante da anti-rotina e discípula ferrenha das palavras de meu pai (numa sua conversa entre amigos, que ouvi por trás do reposteiro do corredor, ainda era menina e não mais me esqueci):
(…) “Tudo o que se faz dentro da porta do quarto para dentro, ninguém tem nada com isso”…
— Nunca estive tão de acordo contigo, tomara eu ter em “casa” uma imaginação tão prodigiosa, aliás, penso que as mulheres duma maneira geral, menosprezam o poder de sedução que possuem, bastava soltarem-se mais, darem o verdadeiro valor ao sexo, que no fundo faz tão bem ao corpo e à alma.
— E é muito bom, meu querido! …
— Porque procuram os homens noutros locais, aquilo que podiam muito bem ter em casa, era tão simples… Por exemplo: Porque será que só nos filmes, nas revistas etc., se vêem mulheres com lindos corpetes, camisas de noite atraentes, enfim, lingerie deslumbrante capaz de despertar qualquer homem mais distraído; Porque é que só nos filmes se vêem jantares para dois à luz de velas, ambientes tão românticos capaz de fazer derreter o gelo a qualquer mortal; Porque se alindam as mulheres (vão ao cabeleireiro, arranjam as unhas, as sobrancelhas, pintam os olhos, enfim...), apenas quando vão sair, e não têm essa preocupação com a sua imagem também para os maridos; Porque não se despem provocante e sedutoramente para os seus homens e queixam-se depois, que eles frequentam as casas nocturnas para verem shows de strip e chegam tarde a casa.
— Tens toda a razão.
— Se calhar estou errado na percentagem, será que uma maioria o faz? Não creio, tendo como exemplo o “escândalo” de Bragança, que só vem dar razão à minha teoria.
— Meu querido Martinho, estás mesmo a precisar que te convide para “jantar” lá em casa…
— Jantar, só?
— Como dizem os brasileiros: “Pode ser que pinte um ambiente”. Vamos ter que pensar nisso o mais depressa possível, pois reparo que andas com a tua autoestima muito em baixo, e não só!
— Não demores Lizete, neste momento já não te estou a ver só como amiga, depois, ando com vontade enorme de dar uma facada no casamento…
— Estás a mudar, ou é impressão minha!
— Agora temos que ir trabalhar minha amiga, são horas, ligas-me amanhã para tomar café?
— Ligo, temos que continuar esta conversa, o tema agrada-me imenso...
— Está bem minha tola, até amanhã.
— Depois no sábado vamo-nos ver, a minha filha vai cantar e eu ando com saudades de ouvir bom fado. Vou ao “Chalé”, sei que está lá um bom elenco e gostava que apresentasses a Leonor, apareces?
— Claro que apareço, tenho sempre mesa marcada, mas... não vou só, vamos dois casais, vê lá se és discreta sim?
— Posso olhar ao menos! Juro que não dou nas vistas.

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