(continuação)
Tinha cumprimentado amavelmente à entrada a esposa dele, pois a última coisa que queria, era que ela desconfiasse de alguma ligação ao marido.
Depois já sentada na mesa que lhe estava reservada, atirou o seu olhar “fatal” (mordendo o lábio inferior como só ela sabia fazer) ao Martinho, que queria dizer tudo, menos que se contentava com a amizade dele. Adorava brincar com o desassossego de Martinho, tinha consciência que a sua figura o perturbava e tomou uma resolução: No próximo encontro, ia-lhe propor abertamente uma incursão pela sua cama, há muito tempo fria e desejosa de companhia, já lhe custava muito manter o seu ar de mulher segura e independente.
Martinho recebeu o seu olhar como pombas que pousaram nos seus olhos. Pombas não…águias com garras afiadas, prontas a agarrarem a sua presa. Bem lá no fundo, à muito que ele a desejava, só que a ocasião ainda não tinha chegado, seria desta? Envolto nos seus pensamentos, nem reparou que tinha chegado a hora de apresentar mais um fadista, desta vez tratava-se do Nelson Duarte, uma voz de grande talento para o fado e de quem era muito amigo, o fado tinha o título: “Louvor à Amizade” e dizia assim:
Não se compra nem vende amizade
É algo que se ganha, que se dá
Tem à mistura amor sinceridade
E é linda como o Sol da manhã
É o melhor que um homem tem consigo
Nas horas boas e más que a vida tem
Há pobres que são ricos com um amigo
E há ricos que são pobres sem ninguém
Não há nada que pague os bons momentos
Passados com amigos de verdade
Se a vida é quase feita de tormentos
Guardar bem essas horas é saudade
A Lucinda
No “Xaile d’Ouro” mais uma noite de fado acontecia. Tinha acabado de cantar a Laura Vilela, que voltava, depois de uma forçada ausência por motivos de saúde. A sua presença foi pelos presentes, calorosamente ovacionada. Cantou em seguida Fernando Oliveira e Costa, fadista de enorme sensibilidade, filho de um grande violista do Porto, infelizmente já desaparecido, Miguel Costa.
Cantaram ainda: Isabel Borges; Joaquim Brandão: Maria Maia; Manuel Russo; Cátia Sofia; José Ferreira; Fátima Cunha e o fadista e letrista António Terra, que abriu a última parte da noite com um tema muito bonito de sua autoria, “Em busca do Sol dourado”, com música de José Fontes Rocha.
A Lucinda cantou a seguir, levando a sala ao rubro com: “Nosso fado mar”, uma letra de Manuel Carvalho que diz assim:
Teus olhos são esmeraldas
Que me prendem como algas
No coral do teu sorriso
Quando m’envolvem teus braços
São p’ra mim finos sargaços
E teu corpo o paraíso
A sal sabem os teus beijos
Que escondem mil desejos
Nessa boca de encantar
Vem deitar-te sobre areia
Neste mar que nos enleia
E que as ondas vêm beijar
E quando à noite o luar
Brilhar de prata no mar
Quero ao longe ouvir o fado
Esse murmúrio que encanta
Que sai roço da garganta
E foi no mar embarcado
Disse um poeta qualquer
Que um sorriso de mulher
Está sempre num cantar
Estão nos versos que canto
Vive um sorriso d’encanto
Neste nosso fado mar.
O apresentador Albérico Pereira, chamou à parte o Márcio Cunha e depois de o felicitar falou-lhe do concurso:
— Ela está inscrita? Olha que tem muitas possibilidades e o 1º prémio este ano é tentador, trata-se de edição de mil CD’s, oferta da “Nordisco”, uma editora que está a começar e quer investir na promoção de novos talentos do fado. Depois, é sempre bom ter-mos cá no norte, uma figura de destaque nesta vertente musical que é afinal a canção nacional, estou a falar naquela “guerrinha” eterna que temos com o sul em relação ao fado.
— Essa é uma guerra inútil caro Albérico, afinal o fado é português, como diz o poeta: “Onde houver um português o fado também se canta…” Para quê esse sentimento de posse, que é redutor na universalidade do fado? Não é de Setúbal, de Évora ou de Santarém, não é do Porto nem de Lisboa, é de Portugal, é dos portugueses.
————— * —————
Só que…Esta invicta cidade do Porto, que sempre soube enfrentar as vicissitudes da história, que guarda na Igreja da Lapa, o coração do nosso rei D. Pedro IV (ofertado ao povo da cidade pela sua lealdade ao Liberalismo), nunca conseguiu deixar de ser a pobre provinciana frente ao Terreiro do Paço. E é por isso mesmo, que todos os padrinhos das Rusgas no S. João do Porto são de Lisboa, porquê? aqui não há ninguém notável? É por isso que a Katia Guerreiro veio abrilhantar a reabertura do Cinema Batalha, porquê? no Porto não há ninguém capaz? (apesar de não ter nada contra a Katia...). É por isso, que deixamos de ter aquela áurea de vaidade que nossos avós criaram, quando impunham aos fidalgos que não podiam permanecer na cidade mais que três dias.
————— * —————
Talvez muitos não saibam mas em Lisboa, cantaram e ainda cantam muitas vozes nascidas no Porto e que são grandes referências no fado. Muitos instrumentistas e até poetas, que são hoje grandes nomes da canção nacional.
Depois de algumas biografias pesquisadas na Internet e em sites dos próprios, ou retiradas de capas de LP’s e CD’s, ou ainda consultando algumas brochuras sobre o tema, encontrei:
Maria da Fé nasceu no Porto, essa grande intérprete do fado que aos 18 anos rumou a Lisboa e é desde há muitos, proprietária da casa de fado “O Senhor Vinho”. Foi a vencedora do último concurso ”Rainha das Cantadeiras do Norte” em 1960 com o nome de Maria da Sé. (Deste concurso organizado pelo empresário Domingos Parker, onde concorriam representantes das freguesias da cidade, saíram grandes nomes para o fado). Em 1968 Gravou o seu grande êxito “Valeu a Pena” e no ano seguinte, em 1969, foi ao Festival da Canção interpretar “Vento do Norte”. Em 1970 recebeu o mais elevado galardão da crítica portuguesa, o Prémio da Imprensa. Em 1972 é eleita Rainha da Rádio na Guiné – Bissau.
Actuou em praticamente todos os países da Europa, América e Austrália. Consagrou-se uma das maiores fadistas da sua geração.
Teve uma breve passagem pelo cinema, participando no filme “A Caça ao Rei” ao lado de Robert Wagner. Em Março de 2006 foi distinguida pelo Governo com a Medalha de Mérito Cultural.
Pág.15 (continua)
Tinha cumprimentado amavelmente à entrada a esposa dele, pois a última coisa que queria, era que ela desconfiasse de alguma ligação ao marido.
Depois já sentada na mesa que lhe estava reservada, atirou o seu olhar “fatal” (mordendo o lábio inferior como só ela sabia fazer) ao Martinho, que queria dizer tudo, menos que se contentava com a amizade dele. Adorava brincar com o desassossego de Martinho, tinha consciência que a sua figura o perturbava e tomou uma resolução: No próximo encontro, ia-lhe propor abertamente uma incursão pela sua cama, há muito tempo fria e desejosa de companhia, já lhe custava muito manter o seu ar de mulher segura e independente.
Martinho recebeu o seu olhar como pombas que pousaram nos seus olhos. Pombas não…águias com garras afiadas, prontas a agarrarem a sua presa. Bem lá no fundo, à muito que ele a desejava, só que a ocasião ainda não tinha chegado, seria desta? Envolto nos seus pensamentos, nem reparou que tinha chegado a hora de apresentar mais um fadista, desta vez tratava-se do Nelson Duarte, uma voz de grande talento para o fado e de quem era muito amigo, o fado tinha o título: “Louvor à Amizade” e dizia assim:
Não se compra nem vende amizade
É algo que se ganha, que se dá
Tem à mistura amor sinceridade
E é linda como o Sol da manhã
É o melhor que um homem tem consigo
Nas horas boas e más que a vida tem
Há pobres que são ricos com um amigo
E há ricos que são pobres sem ninguém
Não há nada que pague os bons momentos
Passados com amigos de verdade
Se a vida é quase feita de tormentos
Guardar bem essas horas é saudade
A Lucinda
No “Xaile d’Ouro” mais uma noite de fado acontecia. Tinha acabado de cantar a Laura Vilela, que voltava, depois de uma forçada ausência por motivos de saúde. A sua presença foi pelos presentes, calorosamente ovacionada. Cantou em seguida Fernando Oliveira e Costa, fadista de enorme sensibilidade, filho de um grande violista do Porto, infelizmente já desaparecido, Miguel Costa.
Cantaram ainda: Isabel Borges; Joaquim Brandão: Maria Maia; Manuel Russo; Cátia Sofia; José Ferreira; Fátima Cunha e o fadista e letrista António Terra, que abriu a última parte da noite com um tema muito bonito de sua autoria, “Em busca do Sol dourado”, com música de José Fontes Rocha.
A Lucinda cantou a seguir, levando a sala ao rubro com: “Nosso fado mar”, uma letra de Manuel Carvalho que diz assim:
Teus olhos são esmeraldas
Que me prendem como algas
No coral do teu sorriso
Quando m’envolvem teus braços
São p’ra mim finos sargaços
E teu corpo o paraíso
A sal sabem os teus beijos
Que escondem mil desejos
Nessa boca de encantar
Vem deitar-te sobre areia
Neste mar que nos enleia
E que as ondas vêm beijar
E quando à noite o luar
Brilhar de prata no mar
Quero ao longe ouvir o fado
Esse murmúrio que encanta
Que sai roço da garganta
E foi no mar embarcado
Disse um poeta qualquer
Que um sorriso de mulher
Está sempre num cantar
Estão nos versos que canto
Vive um sorriso d’encanto
Neste nosso fado mar.
O apresentador Albérico Pereira, chamou à parte o Márcio Cunha e depois de o felicitar falou-lhe do concurso:
— Ela está inscrita? Olha que tem muitas possibilidades e o 1º prémio este ano é tentador, trata-se de edição de mil CD’s, oferta da “Nordisco”, uma editora que está a começar e quer investir na promoção de novos talentos do fado. Depois, é sempre bom ter-mos cá no norte, uma figura de destaque nesta vertente musical que é afinal a canção nacional, estou a falar naquela “guerrinha” eterna que temos com o sul em relação ao fado.
— Essa é uma guerra inútil caro Albérico, afinal o fado é português, como diz o poeta: “Onde houver um português o fado também se canta…” Para quê esse sentimento de posse, que é redutor na universalidade do fado? Não é de Setúbal, de Évora ou de Santarém, não é do Porto nem de Lisboa, é de Portugal, é dos portugueses.
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Só que…Esta invicta cidade do Porto, que sempre soube enfrentar as vicissitudes da história, que guarda na Igreja da Lapa, o coração do nosso rei D. Pedro IV (ofertado ao povo da cidade pela sua lealdade ao Liberalismo), nunca conseguiu deixar de ser a pobre provinciana frente ao Terreiro do Paço. E é por isso mesmo, que todos os padrinhos das Rusgas no S. João do Porto são de Lisboa, porquê? aqui não há ninguém notável? É por isso que a Katia Guerreiro veio abrilhantar a reabertura do Cinema Batalha, porquê? no Porto não há ninguém capaz? (apesar de não ter nada contra a Katia...). É por isso, que deixamos de ter aquela áurea de vaidade que nossos avós criaram, quando impunham aos fidalgos que não podiam permanecer na cidade mais que três dias.
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Talvez muitos não saibam mas em Lisboa, cantaram e ainda cantam muitas vozes nascidas no Porto e que são grandes referências no fado. Muitos instrumentistas e até poetas, que são hoje grandes nomes da canção nacional.
Depois de algumas biografias pesquisadas na Internet e em sites dos próprios, ou retiradas de capas de LP’s e CD’s, ou ainda consultando algumas brochuras sobre o tema, encontrei:
Maria da Fé nasceu no Porto, essa grande intérprete do fado que aos 18 anos rumou a Lisboa e é desde há muitos, proprietária da casa de fado “O Senhor Vinho”. Foi a vencedora do último concurso ”Rainha das Cantadeiras do Norte” em 1960 com o nome de Maria da Sé. (Deste concurso organizado pelo empresário Domingos Parker, onde concorriam representantes das freguesias da cidade, saíram grandes nomes para o fado). Em 1968 Gravou o seu grande êxito “Valeu a Pena” e no ano seguinte, em 1969, foi ao Festival da Canção interpretar “Vento do Norte”. Em 1970 recebeu o mais elevado galardão da crítica portuguesa, o Prémio da Imprensa. Em 1972 é eleita Rainha da Rádio na Guiné – Bissau.
Actuou em praticamente todos os países da Europa, América e Austrália. Consagrou-se uma das maiores fadistas da sua geração.
Teve uma breve passagem pelo cinema, participando no filme “A Caça ao Rei” ao lado de Robert Wagner. Em Março de 2006 foi distinguida pelo Governo com a Medalha de Mérito Cultural.
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