agosto 25, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)

Um Ano Depois...


A Lígia e o Maciel


A Lígia ainda vive no Bairro do Ameal, agora com o marido e grávida de sete meses. Como é bom de ver, anda eufórica e só anseia pelo grande dia.
A D. Ludovina descansa em paz no cemitério de Paranhos, à mais de meio ano. Não assistiu ao casamento da filha com o Maciel. Lígia diz: “No lugar onde está, minha mãe vela por mim, será o meu anjo da guarda”.
Leva uma vida razoável, fez um acordo com a fábrica de calçado e despediu-se, as amigas ainda lhe telefonam para saberem novidades e opinarem sobre a gravidez.
O Maciel continua a escrever nas horas vagas, letras para fado e tem muita livraria. Trabalha por conta própria numa oficina que alugou junto com um colega de profissão, para os lados de Moalde em S. Mamede de Infesta. Podia correr melhor o negócio, não fora o aumento dos impostos e da matéria-prima. Trabalha muitas horas para equilibrar as finanças.
Aos fins-de-semana, não falham no Xaile d’Ouro, tem mesa sempre reservada. Ela continua a cantar, diz que é só até ter o bebé. Tem na sala lá em casa, um cantinho reservado ao fado, onde guarda as lembranças que tem recebido por cantar. Em destaque, estão o trofeu do 3º Lugar que ganhou no concurso, e o xaile que levou nessa noite, decora a parede nesse canto.
Ainda vão, sempre que podem, jantar ao mesmo restaurante onde se encontraram, ela sempre bonita e penteado pela Laurinha. Ele anda muito mais feliz, a Lígia é o farol que alumia o seu caminho, a musa das suas composições poéticas. Agora o Maciel acredita, que a felicidade existe, é preciso procurá-la, mas também é uma questão de sorte, de sina, de fado e... cada um teu o seu.



A Leonor, a Lizete e o Martinho


A Leonor, encontra-se de momento, a estagiar numa sociedade de advogados, namora há pouco tempo com um dos sócios, filho duma figura de prestígio da magistratura no Porto.
Continua a viver com a mãe e a frequentar com ela, quando tem tempo, o lindo estádio do Dragão. Foram fervorosas apoiantes da selecção nacional, durante o Euro 2004. Esta paixão pelo futebol é hereditária, vem-lhe do pai que jogou no Salgueiros, ela é que não sabe, porque a mãe nunca lhe contou a história verdadeira...
Deixou à muito de cantar o fado, a última vez que o fez, foi na festa de final do curso. Embora muita gente lhe peça para voltar, ela diz ser incompatível com a vida que agora leva, a sua carreira é mais importante.
Acredita no futuro e está muito entusiasmada com a sua nova vida de advogada, então a mãe anda feliz como nunca, não só por isso, mas... é que a Leonor habituou-se a chamar ao Martinho padrinho, ou não fosse ele, que representou o pai na bênção das pastas no pavilhão dos desportos no Palácio de Cristal. Chegou mesmo a estar presente, no baile de gala na Faculdade de Direito.
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Quanto ao Martinho, continua ao fim deste tempo a viver uma vida dupla, tanto ele como Lizete, são discretos ao máximo. Ele não abdica da sua vida familiar calma e pacata, ela adora viver este amor oculto na sombra, numa neblina de mistério, envolto num véu de volúpia e sensualidade, que lhe dá um sabor sempre renovado.
Lizete assumiu esta posição de ser a outra, sem o mínimo de escrúpulos, numa visão de vida alegre e descontraída, sem remorsos ou fantasmas do pecado venial. Depois é uma questão de hábito, e ser a outra, passa a ser uma opção de vida ás vezes privilegiada.
Ao longo deste último ano, Martinho recebeu convites para colóquios em Lisboa sobre a temática do fado, em que esteve presente, sempre acompanhado pela Lizete, durante dois fins-de-semana de sonho.
Como a empresa litográfica onde trabalha, tinha em vistas a aquisição de uma impressora digital para grandes formatos, tiveram que enviar ao Japão um colaborador da firma, não só para se inteirar do funcionamento da mesma, mas também para fazer uma prospecção de mercado, para a importação de matéria-prima mais rentável, em termos de custos e qualidade. Claro que o mais qualificado na empresa para tal tarefa, era o Martinho. Foi o pretexto que faltava, para a Lizete tirar o seu passaporte e marcar umas férias de sonho para Setembro. Tinham encontrado mais um pedaço puzzle da felicidade que adornava as suas vidas.
Três vidas, três destinos, três fados.



A Lara e o Marcelo




Durante dois meses o marido de Lara, só vinha a casa aos fins-de-semana. Por opção e para melhorar o seu nível de vida, tinha aceitado o convite para trabalhar em Bragança, por fim, aproveitando as férias escolares do Matias, arranjou casa e mudou-se para lá com a família. Vivem agora mais desafogados e adaptaram-se facilmente à nova comunidade.
O Mendes anda feliz, mesmo em estado de graça, principalmente desde que a família aumentou. É verdade, a Lara deu à luz uma menina muito bonita no dia de Natal, a quem pôs o nome Marcela, vamos lá saber porquê! O Mendes fez-lhe a vontade embora achasse que Natália era o mais adequado.
Lara não vê o Marcelo há muito tempo, guarda no cofre que tem no peito, o segredo do seu amor e principalmente aquela maravilhosa tarde de Março.
Nunca mais cantou, mas continua a ler poesia.
Recebeu pelo seu aniversário, mais um livro de poesia que lhe enviaram com saudades, os velhinhos do Centro de Dia de Campanhã. Era o terceiro publicado por Olecram, com prefácio de Sérgio Marques e que já vai na 2ª edição. Mas… Numa nota do editor, lesse:
... (Este é infelizmente, o último livro deste poeta de grande valor. Não fui capaz de o demover da decisão de abandonar a escrita. Assim, a pedido do autor, revelo neste intróito o seu verdadeiro nome, uma vez que Olecram tinha sido adoptado como seu pseudónimo. Devem os leitores, lerem este anagrama ao contrario e depressa onde concluir, que se trata de Marcelo, o Marcelo Couto que tantas letras deu ao fado, e não só).
E foi assim, que a Lara ficou a saber que os versos que tanto gostava, eram afinal do seu amor. Guarda aqueles três volumes religiosamente, porque um dia, uma menina muito bonita há-de lê-los e decerto, irá gostar tanto, ou muito mais que ela.

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A senhora arquitecta Leonilde, filha de Marcelo, está para casar.
Sua mãe, Lúcia, sempre foi uma senhora muito discreta, e mesmo desconfiando de qualquer relação extra conjugal que o marido pudesse ter, esperou com paciência, que Marcelo apagasse essa ilusão, que sempre achou ser passageira. Claro que nunca lhe passou pela ideia de quem se tratava. Vivem uma vida normal, sem nunca tocarem no assunto que virou tabu.
Marcelo ao perder de vista a musa dos seus versos, resolveu nunca mais voltar a escrever poesia, dando conhecimento ao seu editor desta decisão. Não a tomou de ânimo leve, foi apenas numa tentativa poder esquecer de vez esse amor impossível.
Mas... Bem dentro de sua alma, Marcelo sabe que nunca há-de conseguir, por isso vai escrevendo em silêncio, a dor duma saudade cada vez maior. Recorda momentos vividos como nítidas miragens, sonha com outros que nunca teve, e vai vivendo com o doce fantasma da sua existência.
Como escreveu Leopoldino Serrão no prefácio do livro “Miscelânea” de Américo Teixeira Moreira (Edição da Sociedade Editorial Noticias da Beira Douro – 2004): ... (Assim, agora e sempre – apetece dizer –, por toda a eternidade, é que os poetas são os únicos que conseguem coabitar, coexistir e dialogar com fantasmas.)...


Pág.34 (continua)

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