agosto 21, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)

A Terceira parte

Convidada pela direcção do Clube do Fado, para apresentar a terceira parte, foi Isabel Borges.
Esta apresentadora e conhecedora do mundo do fado, entrou no palco acompanhada por: Manuel Rego e Lourenço Zara.
Tudo corria conforme o planeado, quando ás 00h10 o 2º lote de concorrentes femininas era chamado ao palco. A 1ª interprete foi Lara Couto, que cantou um fado com letra de Olecram: “ Gosto tanto de ti”, na música do Fado “3 Bairros” e era assim:

Eu gosto tanto de ti
Que num só dia senti
Saudades de te não ver
O dia a custo passou
A noite tanto custou
Meu amor por te não ter

Para o teu corpo afagar
E a tua boca beijar
Meu Deus como demora
Eu queria ter o poder
De num minuto fazer
O tempo de uma hora

Quero dar-me com loucura
E sentir toda a ternura
Que tu tens para me dar
E poder num só segundo
Ter todo o tempo do mundo
Que quiser para passar

Apenas num dia apenas
Eu fiz p’ra ti mil poemas
Com raiva de te não ter
Eu gosto tanto de ti
Que num só dia senti
Saudades de te não ver

Lara arrancou muitos aplausos da plateia, cantou (aliás, como ela previa, muito bem!), haviam lágrimas nos seus olhos, enquanto no júri alguém olhava com espanto, aquela mulher linda de cabelos longos, vestido escarlate e xale pelas costas.
Marcelo lembrou a tarde desse dia, em que teve os beijos daquela boca tão bem desenhada, tão perfeita, tão ardente! E os aplausos continuavam ainda, quando o Martinho lhe segredou:
— É obvio que conheço este apelido, parabéns!
A 2ª das nossas conhecidas a cantar, foi a Lígia Coutinho. Vinha muito bonita, com um penteado de sonho, adivinhavam-se as mãos da sua amiga Laurinha. Lá estavam os sapatos prateados que o Maciel lhe dera e o vestido de seda preto. Trouxe um fado na linda música do “Carlos da Maia”, com uma letra de Maciel Castro “O Homem que Deus me deu”, que dizia assim:

O Homem que Deus me deu
Quero que seja só meu
E nunca doutra mulher
Vive comigo este fado
Na vida sempre a meu lado
Até quando Deus quiser.

Eu desperto-lhe desejos
Com a ternura e os beijos
Que tenho para lhe dar
Mas sei que não resistia
Se me mentisse algum dia
Nosso fado ia acabar.

Quero guardar em meu peito
Esse gosto, esse jeito
Qu’ele tem de me beijar
Eu nasci ao encontrá-lo
E vivo por tanto amá-lo
Mas morro se me deixar.

Uma ala da galeria pôs-se de pé em fortes aplausos, eram as colegas da fábrica de calçado gritando: Lígia...Lígia... Ah fadista!...
Também no júri alguém lhe dava a nota máxima e sentia um orgulho enorme, dela ser sua, só sua.
O júri não se manifestava, mas a vontade de Maciel era aplaudi-la até as mãos de doerem.
A dona Ludovina, a mãe da Lígia, estava feliz como nunca, a sua Lígia tinha cantado bem e ela sentia orgulho nisso. Foi com vaidade que disse à vizinha lá do bairro, que a tinha trazido ao Coliseu:
— Minha filha está tão bonita! E como canta bem!

————— * —————

Mendes e o filho Matias acabavam de chegar, logo ocuparam as cadeiras de vago na quarta fila da plateia. Tinham chegado atrasados, Lara já tinha cantado e decerto notara a sua falta. Pior era o rapaz que tanto queria ver a mãe. Ele não dava muita importância... Esperaria pelo intervalo para estar com ela e pedir-lhe desculpa. O comboio tivera um atraso considerável que ele não contava.
Matias inconformado só dizia:
— Ò pai! Que pena não termos chegado a tempo...
— Tem paciência filho, não por foi culpa nossa!
— Gostava tanto de ter visto a mãe...
O marido de Lara, tentava confortá-lo, mas também estava desiludido com o empate do seu FêCêPê. Segunda-feira ia ter que se haver, com os colegas lá oficina, (e a resposta de emprego ao currículo que enviou para Bragança, nunca mais vinha...), eram quase todos benfiquistas!
Pior eram os chatos dos clientes, enquanto esperavam pela troca de um rádio ou farol no carro. Sabiam como ele era doente pela bola e gostavam de o ver irritado.
————— * —————

Chegara a vez de Leonor Cruz, trazia uma saia comprida bordeou de seda, uma blusa branca também de seda, com mangas rendadas e xaile também bordeou, bordado com motivos em dourado. Nas orelhas, dois corações de filigrana realçava-lhe o rosto oval, onde uns olhos cor de mar brilhavam.
Cantou um fado com uma letra de Olecram, na música do fado “Licas”, com o título “Meu Fado, teus olhos” e em quatro decassílabos, diziam assim:

Dizem que os olhos nunca mentem
Nem sabem esconder uma emoção
Dizem até que os olhos sentem
Muito, muito mais que o coração.

A ser assim verdade este ditado
Não sei porque não consigo eu
Ler nos teus olhos o meu fado
Que tu nunca cantas mas é meu

Dentro dos meus olhos vês ternura
Que ponho nas palavras que te digo
Mas nunca reparaste n’amargura
De não ler em teus olhos por castigo

Consegues simular a emoção
Teus olhos nunca falam a verdade
Um dia ouvirás teu coração
Mas pode meu amor ser muito tarde.


Era a menina bonita do Clube de Fado, por isso, os aplausos soaram na sala como um estrondo quando acabou de cantar.
— Bravo! Bravo! – Gritavam
Lizete entusiasmada, saltava de alegria, a sua Leonor, que até era quase doutora, não tinha preconceito de cantar o fado, que bom! Seria outra Katia Guerreiro?

Pág.30 (continua)

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