agosto 17, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)

— É verdade, é muita coisa! Mas o Manuel Barbosa faz parte do elenco?
— Faz, mas só aos fins-de-semana. O Manel tem o emprego dele. No fundo, não são mais que semi-profissionais. O fado não dá para viver dele, ou pensas que sim?
— Nem para quem escreve. Segundo me disse há dias o Maciel Castro, que tem mais de trezentas letras registadas na Sociedade de Autores, recebe de direitos uma ninharia trimestralmente, e mais, como nunca atinge direitos anuais de 300 Euros, todas as letras que quer registar, tem que as pagar a 2,50 Euros cada. E não se esqueçam, ainda faz descontos para o IRS!
— Isso dos direitos de autor anda mal – disse o Marques – Olhando ao que se lê dos jornais... Mas talvez agora endireite. Depois, não é justa a forma de atribuição de direitos, pelo que me diz o Maciel, que apesar de todos os dias ouvir fados seus na rádio não recebe em conformidade.
— Apesar de tudo, ainda há quem “volte”, vejam o caso do Henrique que voltou a gravar ao fim de tantos anos e como diz o Júlio Couto na apresentação do CD: “...O Henrique volta ao nosso convivo...Volta, com mais “vício” de fado, mas com a mesma voz, bem timbrada, com os seus poemas e a sua música em muitos fados... “
— Fico satisfeito em saber que o Henrique voltou, é um senhor do fado e muito agradável de ouvir. Parabéns Henrique!



Ainda a Lara e o Marcelo


Mais uma vez e aproveitando o facto de estar só, Lara relia a carta que nunca enviou, nela descrevia todo o seu desejo, por um amor que sabia nunca vir a concretizar e leu em voz alta:

Meu amor

Sei que sofres por minha causa, pois o amor que nos une toca as raias da loucura. Vivemos obcecados por um amor quase impossível e que vamos alimentando na nossa imaginação. Sonhamos com momentos de paixão que nunca vivemos, nem sei se um dia os viveremos.Gostava que soubesses que muitas vezes me passa pela ideia, concretizar essas loucuras de amor, que acredito serem de enorme doçura e ardente volúpia. Principalmente nos momentos em que me sinto só e carente de afecto, essa ideias rondam a minha cabeça, que tanto como a tua porque te conheço, arde de desejo e sofre por não poder por à luz do dia, uma coisa tão linda como o nosso amor.
Quero-te confessar, que nos momentos fascinantes em que nos beijamos ás escondidas de todos, quando sinto a adrenalina no peito e o oração bate descompassadamente, sinto que estou quase a fazer uma loucura e a vontade de me entregar a ti é tão grande, que quase esqueço quem somos se não fosse o enorme esforço que faço para me controlar. Por ti, tenho a certeza que não hesitavas um minuto, como já disseste: (… É um gozo estar à beira do precipício, calcar o risco e entrar no interdito, mandar ás favas o proibido e principalmente viver… Viver tendo a plena consciência que podemos cair no abismo…).
Sei que a vida é permanentemente um risco, e eu não gostava de amanhã sentir remorsos de não a ter vivido em toda a sua plenitude. Deixar para trás sonhos por realizar, legitimas ambições desfeitas. Mas a vida corre-nos entre os dedos e nunca temos tempo de a viver. Existem muitas barreiras à felicidade, a mim, basta-me saber que me amas e juro que vou ser feliz assim pela vida fora.
É nos poemas que leio que deleito o meu prazer, só os poetas conseguem usar a imaginação como ninguém, depois, vivo na esperança de um dia, talvez o destino nos marque um encontro numa esquina qualquer da vida.
Adoro as mensagens que me mandas, plenas de ternura, ou os telefonemas que me fazes só para ouvires a minha voz. Que pena eu sinto quando muitas vezes não te posso responder como gostava.
A razão desta carta, serve para de uma forma racional (se é que o amor o pode ser), ambos possamos gerir esta loucura, sermos o mais discretos possíveis, para bem daqueles que fazem parte da nossa vida, quer queiramos ou não, existe o meu marido o meu filho, a tua mulher e minha tia, a tua filha e minha prima. Não nos podemos esquecer que também eles, à sua maneira, nos amam e esperam de nós o carinho e o amor para as suas vidas.
Tinha mais para te dizer, mas ficou aqui uma certeza, para que nunca te esqueças: Amo-te e hei-de amar-te toda a minha vida.
Recebe um beijo deste teu amor secreto L.C.


Desta vez não a dobrou, queimou-a, o que nela estava escrito haveria de o dizer pessoalmente. Quando? É que Lara não sabia…
Andava nervosa, primeiro, porque era véspera do concurso, não que espera-se um dos lugares cimeiros, nem levava isso muito a peito, concorria pelo prazer de cantar. Segundo, porque o marido lembrou-se de nesse sábado ir a Lisboa ver o Porto Benfica, ainda para cúmulo, ia levar o menino com ele. Depois, não sabia bem porquê, parecia que qualquer coisa estava para acontecer, sentia um aperto no peito, seria a tal intuição feminina?
— Olha que o comboio amanhã parte às nove horas, prepara o miúdo cedo para não me atrasar, vamos lá almoçar, o jogo é às três. – Disse o marido.
— Tem cuidado com o menino, anda tanta violência no futebol que tenho medo que aconteça alguma coisa.
— Não te rales que não vai acontecer nada, o Matias está tão contente de ir ver o jogo... Não é filho? Vais gostar de ir com o pai ver o Porto ao Benfica, nunca mais vais esquecer este dia, vais ver... — Levo o boné e o cachecol pai?
– Claro que sim, é imprescindível rapaz!
— Não fiques assim com essa cara, nós vamos cá estar a tempo para irmos ao Coliseu. Trata de ti que a gente vai lá ter, o comboio chega a Campanhã por volta das nove e meia, depois, prometi ao miúdo que o levava a ver-te cantar! Por falar nisso... Dá-me os convites antes que me esqueça.
Eles lá foram como estava combinado e Lara, ao fim daquela manhã de sábado, já tinha tudo pronto: O vestido encarnado que ela própria confeccionara, os sapatos de tacão e o xale preto bordado a prata, que o Nicolau fez juntamente com a Maria José, para lhe oferecer nesse dia.
Trauteava o fado que ia levar, enquanto arrumava a cozinha, queria ter a certeza que tinha a letra bem decorada. O telemóvel tocou, era o Marcelo.
— Então estás calma para logo?
— Mais ao menos
— Não parece! Com essa “vozinha” tão triste! Que se passa? Ele está ai, não podes falar à vontade... É isso?
— Não, ele nem está! Foi ver o Porto a Lisboa e levou o Matias com ele.
— Estás sozinha... Então é por isso que estás triste! Queres ir tomar café que te vou buscar?
— Vou ao cabeleireiro
— Tão cedo? Ainda é meio-dia!
— Marquei para as cinco.
— Então ainda tens muito tempo... vá lá anda, espero por ti no parque do Modelo, vais lá ter?
— Está bem, mas não tomamos lá café, tenho medo que me vejam...
— Levo-te a um sítio muito bonito. Até já Lara.
Marcelo esperava no seu Golf verde-escuro, ouvindo “My Way” do Sinatra, quando ela chegou.
Rumou à Circunvalação, virou no Freixo e só parou na estalagem Soldouro junto á marginal. Ai no bar virado ao rio, com o sol inundando a sala, sentaram-se discretamente como qualquer casal numa tarde de sábado.
— Então meu amor, estás melhor agora? Pergunto Marcelo, pegando-lhe nas mãos e levando-as aos lábios.
— Junto de ti estou sempre bem meu querido.
— É agradável este lugar, não achas? Só queres café? Ou preferes outra coisa?
— O lugar é muito bonito e calmo, mas antes queria um chá de cidreira.
— Marcelo fez o pedido ao empregado e pediu um café para ele.
— Parece um sonho estar aqui contigo Lara. Seria o homem mais feliz do mundo se te pudesse ter nos meus braços, o meu maior desejo era fazer amor contigo, levar-te ao paraíso, fazer-te feliz como nunca foste e não mais voltar de lá.
— Sabes que também era o meu desejo, mas tenho tanto medo...
— Porquê Lara! Ninguém nos conhece! Espera, vou á recepção e já volto.
Marcelo voltou com uma chave
— Lara olha para aqui, esta é a chave do paraíso, queres entrar nele comigo por uns instantes?

Pág.26 (continua)

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