agosto 15, 2008

À JANELA DO FADO (Livro)

(continuação)

” Antes de servida, a sopa chega para todos”
— Isso é muito lindo em teoria, na prática é que não é bem assim. Sabes, ainda há poucos dias estive a conversar com um amigo, que me dizia:
“Das coisas piores que pode haver, é querermos dar a um filho uma vida melhor que aquela que tivemos, e não termos possibilidades para isso. Depois crescem, casam, e se a vida lhes corre bem, os pais ficam felizes por eles. Mas se corre mal, é angustiante querer ajudar um filho e não poder. Esse meu amigo tem uma filha, que por diversas circunstâncias, a vida tem-lhe sido adversa: Filhos, desemprego, indulgência, pouca sorte e um marido que não se impõe nem a ajuda convenientemente. Vai alimentando um casamento frustrado, com poucas perspectivas de vida a cair no desalento, na bebida. Enfim, a sina de cada um, o destino”. – Como vês nem tudo são rosas, há muitos caminhos com espinhos, por isso, temos que programar bem a nossa vida em comum e principalmente, não nos precipitarmos.
— Estou de acordo contigo, mas repara bem na minha idade, está a ficar tarde para ser mãe, e vá lá... nem tu nem eu temos filhos, não temos muito tempo a perder. Depois um filho: “É o sal que falta para temperar o nosso amor”. Foste tu que escreveste! Não te lembras?
— Está bem minha querida, convenceste-me! Prometo pensar seriamente no assunto.
— Pensar não, é melhor agir, que tal esta noite? A Lua está tão linda...


Ainda a Lizete e o Martinho

Tinha chegado finalmente o tão esperado convite.
Lorena depois do ensaio geral, foi ficar a casa da avó nas Barrocas, só voltava sábado à tarde para se arranjar e seguir para o Coliseu.
Lizete tinha convidado o Martinho para nessa noite jantar lá em casa, para ele não foi difícil arranjar desculpa, derivado ao ensaio geral no Clube do Fado. Passou pela “Estoril” para levar dois bolinhos de massa folhada para a sobremesa e uma garrafa de vinho do Douro, chegando para jantar à hora marcada.
Quando a porta se abriu, encontrou uma Lizete diferente, de cabelo solto, vestido rosa-velho de finas alças e justo ao corpo. Quase não teve tempo de pousar o que trazia, Lizete abraçou-o e antes que ele falasse, tapou-lhe a boca com um beijo, à muito desejado.
Assim abraçados e levados por um desejo adiado, as suas mãos sofregamente procuraram botões, fechos e tudo quanto era de abrir para se verem livres das roupas, único obstáculo àquele encontro de corpos em fogo. Assim entraram no quarto, assim rolaram na cama, assim fizeram amor nos limites da loucura até ao cansaço, entre carícias e gemidos de prazer, entre beijos e silêncios de paixão.
Ela deu-lhe tudo que tinha para dar.
Ele pensou estar no paraíso e só depois, é que sentiram o cheiro a queimado que vinha da cozinha.
— Lá se foi a carne à jardineira…
— Deixa lá a jardineira minha maluca, vamos jantar a um sítio que eu conheço, vá anda!
— Nem penses! Depois deste filme quero ver a continuação.
— És tola, julgas que sou de ferro?
— Jantamos outra coisa, faço duas omoletas de fiambre, queres? – Disse vestindo um robe púrpura de seda e calçando os chinelos de quarto.
— Tá bem... Vamos a isso, vou tomar um banho, depois ponho a mesa e abro o vinho.
A noite ainda era uma criança e durou, durou, durou até muito tarde…
Depois, foi um beijo de despedida e um até amanhã no Coliseu
— Adorei esta noite e sabes que agora já não és só minha amiga?
— Ai não! Então que sou?
— A outra, não te importas?
— Nada, absolutamente nada, vou gostar muito de ser a outra.
Martinho ainda levava na boca, aquele sabor a chá dos beijos dela. O corpo leve como uma pena e a consciência pesada. — Pesada? Falava para seus botões — Esta minha mania de ser certinho, bem comportado, que ganho com isso? Ora merda para tudo isso! Afinal acabei de fazer amor com uma mulher fantástica, e foi tão bom…



Ainda a Lucinda



Moutinho Cardoso, o marido de Lucinda tentava viver a alegria dela, embora não concordasse muito com a sua mania de cantar. Quando falou ao seu colega do trabalho Márcio, que a mulher gostava de cantar fado, nunca lhe passou pela cabeça que aquele gesto iria tomar tais proporções. Agora não havia nada a fazer e levava tudo aquilo para uma forma de compensação, pela perda do filho de ambos. Lucinda tinha quase esquecido toda a tragédia da morte do filho apenas com três anos. Tinham sido momentos de grande tristeza os que passaram juntos, agora ela andava mais alegre a distracção fazia-lhe bem.
A vida de ambos estava a ficar melhorar, tinha até perspectivas de ser promovido no emprego. Agora com o TGV em Portugal, ia fazer um curso de formação à Alemanha, estava à espera de ser chamado.
O Márcio com o Marques, tinham lá ido a casa nessa noite, numa conversa informal sobre o sua ida ao curso, ficou a saber que a duração era de três meses. Falaram também, como não podia deixar de ser, da noite que se avizinhava.
— Nada de alimentar esperanças Lucinda, o lugar que vier veio, não quero que vá ficar frustrada ou triste com isso. – Dizia o Márcio – O facto de ter chegado até aqui, já é importante para quem começou à tão pouco tempo, compreende?
— Não se preocupe Márcio, aprendi a lidar com a sorte que me cabe, seja qual for a classificação não me vai afectar em nada, conheço os meus limites e tenho consciência que ando no fado porque gosto e não para fazer profissão disso. Tratasse apenas de uma fase bonita da minha vida, aliada à concretização de um sonho antigo.
— Ainda bem que podemos contribuir para a realização desse sonho!
— Amigos, vai mais um copo?
— Então brindemos a um bom lugar amanhã no concurso!
— E à nossa saúde – disse a Lucinda – que é mais importante!
Eram já horas de recolher, os dois amigos depois das despedidas, partiram rumo a suas casas.
Pelo caminho, o Márcio falou ao Marques sobre uma entrevista muito curiosa, que João Braga deu a Teresa Castro d’Aire no livro “O Fado”.
— Já tive ocasião de ler, mas existem outras mais interessantes noutros livros, tens que ler.
— Gostava muito!
— Quando quiseres vais lá a casa, tens muito por onde escolher, sabes que em minha opinião, os livros não devem estar parados nas estantes, eles foram feitos para serem lidos. Tenho muito gosto em tos emprestar, sei que os tratarás bem, pois os livros, na minha opinião claro, são dos objectos mais valiosos que um homem pode ter. De geração em geração, os livros vão ficando para contar, desde a história do mundo e dos povos, até aos acontecimentos mais importantes da humanidade.

Pág.24 (continua)

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